Gente que faz

O poder do coração

30/11/2019
O poder do coração | Jornal da Orla

Pode-se dizer que o coração uniu o casal. No sentido literal e figurado da palavra. Silvio Carlos de Moraes Santos conheceu Suely Correa Cardoso Santos quando ambos faziam residência médica em cardiologia no Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Silvio havia cursado medicina na USP de Ribeirão Preto. Suely se graduou na Unicamp. “A idéia era voltar para Campinas após a residência, mas aí eu o conheci”, conta a médica sobre o princípio desta história de amor que os conduziu para Santos, onde vivem há mais de quatro décadas.

Os dois formam um dos mais conceituados casais de médicos da cidade. Ambos atuam na mesma especialidade, mas em áreas diferentes. Em Santos, Silvio integrou o grupo responsável pela instalação da UTI cardíaca da Beneficência, da Santa Casa, da Casa de Saúde e do Hospital dos Estivadores. Doutor em cardiologia pela USP, por 32 anos lecionou na Faculdade de Medicina da Fundação Lusíada. Este ano completou 50 anos de formado. 

Suely está quase lá. Formada há 48 anos, também lecionou na Fundação Lusíada e montou o primeiro ambulatório de cardiologia pediátrica do Hospital Guilherme Álvaro. Especializou-se em ecocardiografia e é uma das pioneiras nesta área na cidade, tendo criado o serviço de eco da Santa Casa de Santos, onde atuou por mais de 20 anos. Recentemente foi agraciada com o Mérito Médico pela Câmara Municipal de Santos.

Os currículos são ainda mais enriquecidos pela sociedade no Sancor, conceituado instituto de cardiologia de Santos que encerrou as atividades em 2013. Ainda hoje Silvio mantém atendimento em seu consultório particular, uma rotina iniciada em 1973, e responde, junto com Suely, pelo  Serviço de Métodos de Diagnóstico de Cardiologia do Instituto de Análises Clínicas de Santos.

 

Olhar no ser humano

Silvio e Suely são médicos de uma geração que aprendeu a privilegiar o contato com o paciente, o que, para eles, permanece fundamental para acertar o diagnóstico e definir o tratamento correto. “O paciente não pode ser visto como doença, mas um ser como um todo. É preciso conhecer seus hábitos, seu histórico familiar, o tipo de trabalho. Talvez nem precise tanto remédio”, sugere a médica.

“A medicina ficou muito tecnicista e perdeu muito do humanismo”, conclui Silvio Carlos.  E explica: “Houve muita evolução na tecnologia, no pós-guerra tudo acelerou. O ecocardiograma, por exemplo, se baseia em um aparelho de guerra, que é o sonar. O bom profissional deve manter o contato com o paciente e usar com equilíbrio a tecnologia”. 

Suely completa: “Nada substitui a anamnese. Conhecendo o histórico do paciente, o profissional terá melhor condição de indicar o aparelho de última geração para confirmar o diagnóstico”. 

Os cardiologistas chamam a atenção para a atual quantidade de cursos de medicina, o que pode prejudicar a formação de um bom profissional. “O ensino da medicina não tem massa crítica para dar aula em tantas faculdades. Quando fizemos, eram oito faculdades em São Paulo, sete delas públicas. Hoje, somente no estado são mais de 100. Fazer residência tornou-se um problema, pois não há vagas suficientes para absorver tanta demanda”.

 

Escolha do coração

Suely sempre gostou de matérias de exatas e, ao mesmo tempo, de lidar com gente. Assim, o caminho para a cardiologia surgiu de forma natural. “O coração é uma bomba e a disciplina de física se aplica muito a ele. Quando se entende a anatomia e a fisiologia do coração é possível compreender a maioria das patologias congênitas e avaliar o melhor tratamento”, diz. Já Silvio Carlos atribui sua escolha à influência de professores. 

O coração é um órgão vital e delicado e o profissional precisa aprender a blindar as emoções, principalmente quando o paciente é uma criança, como aqueles que Suely passou toda uma vida tratando. “A gente é treinada a agir de forma profissional, para não se envolver emocionalmente, mas um ou outro caso marca mais, cria-se vínculo”, confessa.

Cuidados e prevenção

Pode não parecer, mas as doenças cardíacas estão em declínio, assegura o casal de médicos. “Hoje as pessoas vivem mais, há mais investimento em medicina preventiva, em saneamento básico. Os cuidados com o coração têm que ser tomados no decorrer da existência, assim como se cuida de outros setores da vida”. 

Herança genética e idade mais avançada são fatores de risco, mas há aqueles considerados removíveis, como peso, sedentarismo, colesterol elevado, diabetes, tabagismo, maus hábitos alimentares e estresse. “Em 70% dos casos as obstruções coronárias são silenciosas”, alerta Silvio Carlos, que aponta a prática de atividade física para aliviar o estresse, uma vez que, além dos benefícios para o coração, atua como relaxante psíquico. 

“A receita é ter equilíbrio e bom senso na vida”, emenda Suely. “Não há alimento milagroso, mas uma alimentação saudável onde nada é proibido, desde que prevaleça o bom senso de comer pequenas e variadas quantidades”. 

Há muita vida além da medicina

Silvio e Suely estão casados há 44 anos e têm dois filhos: Rodrigo, também cardiologista, e Clarissa, médica pediatra e hematologista. A família está crescendo, com a nora Mariana e os netos Benício e Eduardo. 

Silvio Carlos não abre mão de fazer as refeições em casa. E tem muita sorte. Suely formou-se sommelier após três anos de estudos e é considerada excelente chefe de cozinha. “Sou seu piloto de prova”, delicia-se o marido. “Minha biblioteca de culinária está ficando maior que a de medicina”, brinca a esposa, que também é pintora nas horas vagas. 

Por conta da paixão por vinhos o casal já visitou vinícolas no Chile, Argentina, África do Sul, Itália, Espanha, Portugal. Viajar, por sinal, é um dos prazeres da dupla, que já percorreu meio mundo. Em outubro retornaram de uma viagem a Escócia, Irlanda e Alemanha. No início do ano já tinha estado em Dubai, China e Japão. Como se vê, o casal aplica na vida a receita para um coração saudável.

 

 

Foto: Gabriel Soares