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Sistema tributário brasileiro penaliza os mais pobres e beneficia os mais ricos

12/11/2016Da Redação
Sistema tributário brasileiro penaliza os mais pobres e beneficia os mais ricos | Jornal da Orla
Neste momento, em que se discute cortes nos gastos públicos, está se deixando de lado um debate tão -ou até mais-  importante: quanto, como e de quem o poder público cobra tributos. E de quem deixa de cobrar.
 
“O sistema tributário brasileiro é injusto. Privilegia os mais ricos e penaliza os mais pobres”, resume o diretor do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil em Santos (Sindifisco), Ailton Claudio Ribeiro. “A tributação incide sobremaneira sobre o consumo e pouco sobre a propriedade”, completa.
 
Evitar os desperdícios e melhorar a eficiência do gasto público é saudável, mas corrigir várias distorções no sistema tributário brasileiro é uma solução muito mais eficiente. 
 
Jatinhos e iates isentos de imposto
Exemplos não faltam: no Brasil, donos de jatinhos, helicópteros e embarcações de luxo não pagam Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), porque jatinhos e iates não usam vias terrestres. O dono desta interpretação é o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), onde o caso foi parar. “É incabível a cobrança do IPVA para embarcações e aeronaves, por ser o imposto sucessor da Taxa Rodoviária Única, que historicamente exclui embarcações e aeronaves”, escreveu na decisão, acompanhada pela maioria do STF. O ministro Joaquim Barbosa foi contrário, argumentando que a expressão “veículos automotores” seria suficiente para abranger embarcações e aeronaves, mas foi voto vencido.
 
Segundo a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), no Brasil há cerca de 14,5 mil aeronaves, entre aviões e helicópteros. Um helicóptero “básico” custa a partir de R$ 700 mil. Há modelos de jatinhos que passam fácil os R$ 80 milhões. Assim, é possível ter uma ideia do que poderia ser arrecadado com um tributo sobre a propriedade destes veículos, numa alíquota semelhante à aplicada para carros e motos (a partir de 2%).
 
Lucros e dividendos isentos
Quem obtém lucros e dividendos apenas com aplicações financeiras, sem mexer um único músculo, também não paga tributo algum. “O sócio de uma empresa pode ganhar R$ 1 milhão por mês de lucro e não pagará nada e, ao mesmo tempo, o trabalhador que ganha R$ 2 mil terá 25,7% de seu salário retido na fonte”, explica.
 
Dados da Receita Federal, citados em estudo feito pelo economista Marc Morgan Milá, indicam que, em 2013, os 71,4 mil brasileiros mais ricos (0,05% da população total) tiveram rendimentos, somados, de R$ 233,7 bilhões (em valores atualizados). E não se pagou um único centavo de imposto.

Grandes fortunas

Vários projetos propondo a criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) já foram apresentados no Congresso Nacional. Um deles é de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), proposto em 1989, quando ele ainda era senador. O projeto que se encontra em estágio mais avançado de tramitação é o de autoria do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), que o apresentou em 2011. A última notícia que se tem dele é que, em julho, ele deu entrada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e aguarda, até agora, votação. Caso seja aprovado, irá para a Comissão de Assuntos Econômicos. Se passar por lá, vai para o Plenário do Senado, daí para a Câmara…
 
O projeto não anda porque boa parte dos congressistas são donos de grandes fortunas e também sofrem pressões de industriais, produtores agropecuários, proprietários de grandes imóveis e especuladores do mercado financeiro, entre tantos outros.
 
Se este projeto de Valadares estivesse em vigor, regulamentando um artigo já existente na Constituição de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas renderia cerca de R$ 20 bilhões por ano ao governo federal. E quem teria que pagar? Pessoas com patrimônio superior a R$ 5 milhões, em alíquotas progressivas, de 1% a até 2,5% (para quem tem patrimônio superior a R$ 40 milhões). E quantos são os brasileiros nesta situação? Poucos. 
 
Um relatório do banco Credit Suisse, chamado sugestivamente de “Prosperidade Global”, indica que, no Brasil, há cerca de 225 mil pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão (R$ 3,4 milhões). Destas, 1,9 mil têm mais de R$ 50 milhões. Outro dado: levantamento da revista Forbes indica que há 31 brasileiros com patrimônio superior a US$ 1 bilhão. 
 
No entanto, o diretor do Sindifisco, alerta que o tema exige cautela, para evitar imprecisões que suscitem ações judiciais. “É preciso especificar o que é uma grande fortuna. E as fortunas que estão no exterior? E os não-residentes no Brasil, também vão pagar? São questões que precisam ser bem resolvidas”, argumenta.

Desonerações
Outra situação que comprova que o governo brasileiro age como uma espécie de Robin Hood ao contrário é o das chamadas desonerações fiscais. Setores específicos da sociedade são  beneficiados por uma série de isenções, desonerações, incentivos e subsídios, concedidos menos por merecimento e mais por possuírem um efetivo poder de pressionar governantes e parlamentares. Dados da Receita Federal indicam que, de 2011 até 2015, o governo federal deixou de arrecadar R$ 328,16 bilhões por conta das desonerações. 
 
O objetivo desta renúncia fiscal seria incentivar o crescimento econômico para geração de emprego e renda. Mas, na prática, a lógica do “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo” não ocorre. 
 
No setor automotivo, por exemplo, as desonerações de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) entre 2010 e 2014 somaram R$ 15,57 bilhões (7% do total das renúncias fiscais e 53,4% do total relativo ao IPI), mas tiveram um impacto de apenas 0,02% no Produto Interno Bruto (PIB) e de 0,04% no número de empregos no País. Quem fez as contas foi o professor de economia Alexandre Alves Porsse, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutorando em economia Felipe Gomes Madruga. “O incentivo somente para o setor automobilístico beneficia mais as classes de renda média e alta”, afirma Porsse. 
 
Mas por que o setor automotivo é tão beneficiado, em detrimento de outros? É a sua capacidade de pressão: um bloco que une grandes empresas multinacionais, sindicatos bem articulados e a grandes órgãos de comunicação, que têm, entre os principais anunciantes… as montadoras de veículos.
 
Imposto Justo
Com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para estas distorções e propor medidas para tornar o sistema tributário brasileiro mais justo, o Sindifisco está promovendo a campanha Imposto Justo. Entre os principais itens da campanha se destacam a correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e o aumento do limite de dedução com gastos em educação.