O Alto Xingu: um povo dentro do Brasil
O descaso com os povos indígenas é uma constante da sociedade brasileira. Não é raro ver gente que se deslumbra com a historiografia das civilizações pré-colombianas, viaja pelo continente para visitar os sítios arqueológicos desses povos e, paradoxalmente, não dá valor algum para os seus povos originários. Rita Carelli, num belíssimo romance de formação, apresenta um livro para quem ainda não sabe o que é o Brasil.
Terrapreta foi habilmente dividido em três partes. Na primeira, o leitor encontra a tragédia de Ana e seu primeiro contato com o Xingu. 15 anos depois encontramos a protagonista em França e suas memórias de menina na aldeia. A terceira parte ilustra o retorno de Ana – um retorno, como ela diz, não para o Brasil, mas para o Xingu.
O romance nos dá uma centelha da rica cosmovisão indígena, de todo um povo que não cabe no país e tenta existir a despeito dele. Todo o misticismo, o terror, a honra. Lemos e aprendemos, o que é muita coisa num Brasil que faz questão de ignorar tudo sobre seus índios.
Motivos para ler:
1- Rita Carelli, paulistana de 1984, sempre envolvida com a questão indígena, venceu o prestigiado Prêmio São Paulo de Literatura 2022 com seu Terrapreta. Editado pela sempre excelente Editora 34, o livro impressiona e coloca a autora entre as grandes jovens romancistas brasileiras;
2- A recente crise dos Yanomami expõe, em tons de horror, não só o descaso com a questão indígena, mas um verdadeiro projeto para subjugar os habitantes da maior reserva do país. Relembramos a fala gravada do ex-Presidente Bolsonaro em sua campanha eleitoral: “Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena.” A crise sanitária e o garimpo ilegal assassino derivam diretamente desse projeto de governo em favor do poder econômico. As responsabilizações deverão ser apontadas, sob as penas da lei;
3- Respeitar a condição indígena não é um mero ato de solidariedade: é um dever constitucional imposto aos governos e à sociedade civil. Quem não entende isso não compreende o país em que vive e é, ao cabo, um antipatriota. Ler sobre o assunto é um bom remédio e Terrapreta é um bom primeiro passo.
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