Baixada Santista

Temporais prosseguem no outono, afirma especialista

27/04/2025 Paulo Rogerio
Fernando Yokota

O alerta para temporais que iriam atingir a Baixada Santista nos últimos dias da última semana acabou não se confirmando por completo. A região recebeu chuvas fortes, sobretudo na noite de quinta-feira, mas nada próximo do que ocorreu no último sábado, quando uma tempestade provocou uma série de transtornos nas cidades. Mais uma vez, a Baixada foi palco de alagamentos, trânsito caótico, cidades travadas, deslizamentos e muitos outros problemas. Só em Guarujá, o fim de semana passado registrou 144,9 mm de chuvas, quando a média para o mês de abril é de 133 mm.

Neste ponto entra um fato curioso. O Hemisfério Sul está no outono há mais de um mês e, neste período, o índice pluviométrico é menor do que o registrado entre os meses de novembro e março. Tanto que, até a forte chuva do sábado passado, o último temporal na região caiu no dia 18 de fevereiro, em meio ao verão.

Temporais no outono são raros, mas acontecem. Em maio de 2005, por exemplo, uma chuva muito forte provocou deslizamentos no Morro da Vila Baiana, em Guarujá, Duas crianças morreram. Em abril de 2007 houve outro temporal de “isolou” a região. De acordo com Mariana Gouvêa, meteorologista da AtmosMarine, as estações de transição, como outono e primavera, podem trazer fenômenos característicos tanto do inverno quanto do verão. Podem ocorrer, devido a isso, dias quentes em contraste com dias muito frios, além da possibilidade de chuvas intensas. “Durante essas estações de transição, o sistema de alta pressão localizado sobre o Atlântico Sul pode assumir um posicionamento que favorece a ocorrência de ventos intensos nas regiões costeiras de todo o litoral Sudeste. Outro fator relevante é a ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña. O ano de 2024 foi marcado pela presença do El Niño, caracterizado pelo aquecimento das águas superficiais do Pacífico Equatorial, o que afeta a circulação atmosférica em escala global. No litoral sudeste do Brasil, esse fenômeno provoca chuvas irregulares, especialmente no outono e inverno”.

Mariana explica que a Baixada Santista é uma região suscetível a temporais devido à combinação entre sua localização geográfica e as características do relevo. “Os principais ingredientes são calor e umidade, que, ao encontrarem um mecanismo de elevação atmosférica, como sistemas frontais ou instabilidades locais, podem formar nuvens de tempestade. E a presença da Serra do Mar potencializa esse levantamento do ar, favorecendo a formação de temporais”.

Outro fator está em uma questão mundial. O aquecimento global é uma realidade científica comprovada. O Acordo de Paris estabeleceu a meta de limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços para mantê-lo abaixo de 1,5°C. Segundo a meteorologista, esse limite foi atingido.
“Dentre as principais consequências do aquecimento global estão o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos, como precipitações intensas, ondas de calor e frio, além do fortalecimento de ciclones e furacões. Apesar das interações atmosféricas serem complexas e não necessariamente lineares, já observamos mudanças nos padrões climáticos em diversas regiões, inclusive no Brasil”. Essas medidas ajudaram a evitar o chamado “tipping point” (ponto de não-retorno), que seria o limite a partir do qual as mudanças climáticas se tornam irreversíveis.

Mariana lembra que o fenômenos El Niño provocou chuvas irregulares no litoral paulista e temperaturas acima da média, inclusive no inverno. Eventos como esse acabam contribuindo para possíveis atrasos no início do verão e, na sequência, para episódios de calor extremo e temporais intensos. Além disso, há uma tendência de substituição de um antigo padrão de chuvas fracas e persistentes (como a garoa que marcou a cidade de São Paulo) por eventos mais intensos e de curta duração. “Isso se deve, em grande parte, à urbanização intensa, que eleva as temperaturas nos centros urbanos e aumenta o contraste térmico com áreas menos urbanizadas, criando condições propícias à formação de tempestades”.

Para os próximos anos, Mariana prevê a continuidade da transformação do clima global. “Há evidências claras de que eventos extremos tendem a se tornar mais frequentes e intensos. A melhor forma de prevenir os impactos é por meio da conscientização e da ação, desde políticas públicas até mudanças de hábitos no dia a dia da população”.