Logo no início da pandemia, as pessoas estavam extremamente fragilizadas e perplexas. Medo de ficar doente, de que as pessoas queridas adoecessem, das dificuldades financeiras; incertezas quanto às melhores maneiras de se precaver, ao tempo de duração desta fase, ao futuro. Após milhões de casos confirmados, dezenas de milhares de mortes e falsas polêmicas envolvendo uso de máscaras e medicamentos, o isolamento social e as restrições às atividades começam a ser reduzidos mas, ainda assim, a saúde emocional dos brasileiros está em frangalhos.
“Está dramática, um desastre. Ela já não estava boa, vinha de um processo de sofrimentos, dificuldades, desilusões. Nossa economia estava em dificuldades, crise, desemprego, as dificuldades nas relações. Com a pandemia, o que era ruim tornou-se pior”, explica a psicóloga Gisela Monteiro, mestre em Psicologia Social. “A gente continua com a imprevisibilidade, sem saber o que vai acontecer, a expectativa era de passar o tal platô e depois regredir mas parece que estamos num eterno platô, e isso nos traz bastante angústia”, completa.
Cansaço
A também psicóloga Carla Borges identifica um cansaço nas pessoas. “No início, tivemos aquela primeiro impacto, as grandes incertezas, como lidar com a doença, os cuidados que precisávamos ter. Hoje já estamos mais adaptados a esta rotina, uso de máscara, álcool gel. Mas quando vemos que em outros países já há uma abertura, a gente quer que essa abertura aconteça na nossa realidade também e acaba se arriscando a fazer algumas coisas”, explica.
Esgotamento
Segundo Gisela Monteiro, o longo período de isolamento acirrou as emoções, as ansiedades, as depressões, os pânicos. Todo mundo está bastante tenso. “As pessoas estão agitadas, inquietas. Sem falar do contato pessoal e até mesmo físico, as pessoas estão com muita saudade de abraçar, por exemplo”, argumenta.
Carla Borges destaca que este desgaste também afeta as crianças. “Os professores precisaram se reinventar para passar o conteúdo aos alunos remotamente. As crianças, que no começo achavam graça, agora não aguentam mais”, exemplifica.
Esgarçamento
Por permanecerem mais tempo juntos dentro de casa, muitos conflitos familiares antes latentes vieram à tona. “E o espaço físico faz diferença. Imagine num apartamento muito pequeno, se briga com o cônjuge não tem para onde ir. A pessoa fica asfixiada, sufocada, claustrofóbica. Acho que isso explica um pouco porque algumas pessoas não respeitam o isolamento”, afirma Gisela Monteiro.
Ela recomenda fazer um “isolamento dentro do isolamento”: ouvir música, desenvolver seu hobby e, agora que é possível, andar só na praia. “As estratégias devem ser discutidas dentro do grupo social, da família, pois não já uma solução única. É importante que as pessoas reconheçam estas dificuldades, pois não há uma previsão de quando tudo isso vai acabar”, afirma.
Por outro lado, esta proximidade obrigatória pode favorecer um aprofundamento das relações, uma boa surpresa em uma convivência que estava distante ou não acontecia, afirma Carla Borges.
Relação com desconhecidos
Se conviver com familiares já é delicado, imagine ter que presenciar comportamentos irresponsáveis de desconhecidos em espaços públicos. Gisela Monteiro e Carla Borges recomendam tentar encarar a situação com humor e evitar o confronto. “É melhor perguntar ‘esqueceu a máscara hoje?’ do que partir para o embate. Intimar alguém só vai despertar o cão raivoso que existe dentro dela”, pondera Gisela.
Para Carla Borges, uma boa estratégia é simplesmente se afastar, evitar o contato com pessoas que não suportam ser contrariadas.
“Novo normal”
Diferente do que alguns pensavam, a pandemia não terá o efeito colateral positivo de aflorar as virtudes das pessoas. “Falava-se no começo que as pessoas iam aproveitar para refletir, mudar. As pessoas são como são. Quem é capaz de fazer esta reflexão já era uma pessoa disposta a uma adaptação, mas não é a maioria. O egoísmo, a competitividade, a impaciência e intolerância são coisas que estão aí. Não acho que vamos sair melhores do que entramos, as pessoas vão sair mais desgastadas, com mais problemas do que antes”, afirma Gisela.
Carla Borges alerta para a necessidade de se reinventar para o “novo normal”. “A OMS fez um alerta sobre o agravamento da situação da saúde mental no mundo inteiro. São muitas complicações financeiras e no cenário político. Não tem como passar por tudo isso e sair ileso. Sairemos com um desgaste bastante significativo, precisaremos ter muito cuidado para lidar com tudo isso”, finaliza.
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Assista entrevista com as psicólogas Carla Borges e Gisela Monteiro
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