O romance A Biblioteca da Meia-Noite tem um começo depressivo. As escolhas de Nora Seed levam a personagem do escritor Matt Haig a um beco sem saída aos 35 anos. Portas fechadas e arrependimentos montam o cenário cinzento.
Não sei qual vai ser o desfecho do romance. As possibilidades de desdobramento ainda estão abertas. Mas o desespero solitário e silencioso de Nora Seed faz lembrar de algumas joias da música brasileira. Dá vontade de incluir no aplicativo Spotify dela pelo menos um Raul Seixas, um Ivan Lins e um Gonzaguinha.
Raul Seixas, lá dos anos 70, incita:
“Tente / E não diga que a vitória está perdida / Se é de batalhas que se vive a vida / Tente outra vez”.
Um pouco antes, na letra dessa música, o roqueiro já dizia: “Não pense que a cabeça aguenta se você parar…”
Às vezes dá vontade de parar. Diante das consequências de pequenos ou grandes equívocos acumulados. Diante de uma traição, de uma puxada de tapete de onde você menos esperava. Diante da dor, da perda, da doença.
É nesse momento que entra em ação a super-resiliência. Descobrir escondida no fundo falso da alma, uma migalha imunizada contra o desânimo. Pode haver um momento de choro. Não pode haver a imobilização pelo medo do futuro, nem a desconfiança da própria capacidade.
Essa auto-confiança está marcada com ferro em brasa na pele de Começar de Novo, de Ivan Lins e Vítor Martins:
“Começar de novo / E contar comigo / Vai valer a pena / Ter amanhecido / Ter me rebelado / Ter me debatido / Ter me machucado / Ter sobrevivido”.
Dá pra visualizar alguém se levantando depois do tombo, cheio de hematomas, mas vivo. O pulso ainda pulsa. E, principalmente, sabendo que vai valer a pena contar consigo mesmo. Que cada ferida vai secar e mostrar que vale a pena não aceitar a arrogância, a prepotência, a ingratidão e a vaidade que cega, a vaidade, pecado predileto do diabo.
A vaidade merece um capítulo à parte. No filme O Corvo, deste ano, o personagem-anjo explica para o protagonista, Eric Craven, que o verdadeiro inimigo do amor é a dúvida. Verdade. A dúvida é tóxica. Envenena e pode matar o amor. Mas isso só acontece depois do amor estar instalado. A vaidade age antes e é mais letal. Aborta o afeto. Impede que o amor desabroche. Não há espaço para o outro no universo da pessoa vaidosa. Ela nunca vai entender o que é deslealdade ou traição porque o outro nunca entra nas contas que ela faz.
Quem entra, então, é o Gonzaguinha.
“Começaria tudo outra vez / Se preciso fosse, meu amor / A chama em meu peito ainda queima / Saiba, nada foi em vão”.
Fica mais fácil levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima se tem alguém do lado. Pai, mãe, irmã, irmão, avô, avó, filha, filho e namorada(o), caso ou papel passado sempre ajudam a secar as lágrimas, curar os ferimentos e andar com fé.
Por sinal que Andar com Fé e Volta por Cima, citadas nesse parágrafo anterior, também são joias da música brasileira, composições de Gilberto Gil e Paulo Vanzolini. Como também O Pulso, da banda Titãs.
Da criança abandonada na favela ao príncipe criado no palácio, nenhum de nós escapa de momentos difíceis na vida, de becos sem saída como o da personagem Nora, no começo de A Biblioteca da Meia-Noite.
Está fora do nosso alcance inocular na alma dela o Tente Outra Vez, o Começar de Novo e o Começaria Tudo Outra Vez. Mas é essa vacina contra o desânimo definitivo, a entrega dos pontos e a jogada da toalha que Raul Seixas, Ivan Lins e Gonzaguinha estão injetando na nossa corrente sanguínea.
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