Proprietários de sebos enxergam negócio como símbolo da resistência cultural em Santos
09/12/2024Breno Sant’Anna e Leonardo Vieira
Livreiros de sebos de Santos são representantes de um movimento que resiste aos tempos de digitalização e consumismo rápido. Pelo menos é como eles mesmos se intitulam, já que a expansão dos meios digitais, tem imposto uma crise no segmento. Diante desse cenário adverso, vários sebos, bancas e livrarias fecharam as portas de uns anos para cá. “A maior alegria de um livreiro é poder levar a cultura para todas as classes sociais. Somos conhecidos como os ‘heróis da resistência’”, afirma Antônio Marcos Nogueira, 70 anos, proprietário do Sebo José Bonifácio.
No centro da cidade, que historicamente se destacou como um polo de acesso a livros e obras raras por conta do maior Porto da América Latina, está localizado o sebo de Nogueira. Fruto de uma jornada iniciada há 53 anos, ele viu na venda de livros uma grande oportunidade, após ter perdido o emprego formal que tinha. Para ele, o sebo tinha um grande valor na formação da sociedade justamente por representar o acesso à cultura. “Uma pessoa que não pode comprar um livro novo pode comprar um usado, isso é fundamental no nosso cotidiano porque a leitura traz crescimento intelectual e pessoal em todos os sentidos”, afirma.
Frequentador assíduo desse tipo de comércio, Veronildo Dioclécio Araújo, 43 anos, empresário, compartilha a visão da importância desses espaços na democratização do acesso ao conhecimento. Ele ressalta que conseguiu explorar diversos tipos de leitura graças aos preços acessíveis. “Você pode ser inteligente, mas se não tiver dinheiro para investir no conhecimento, você não avança tanto. O sebo tem esse serviço”, diz.
Com experiência no ramo, Antônio Marcos aposta que os livros físicos não perderão espaço apesar do sucesso dos e-books. “Há uma tendência mundial de retorno ao livro físico”, argumenta ele mencionando a Amazon, que atua fortemente na comercialização de livros físicos no mundo inteiro.
O fato é que a crise enfrentada pelos sebos vai muito além dos desafios enfrentados pelo segmento. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil divulgada em novembro, aponta que o brasileiro cada vez lê menos. Dados da 6ª edição do levantamento revelam que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos últimos três meses. É a primeira vez na série histórica que o levantamento conclui que a maioria dos brasileiros não lêem livros. Vale reforçar que a pesquisa considera tanto leitura de obras impressas como digitais, além de não restringir qualquer gênero, incluindo didáticos, bíblia e religiosos.
Daniel Bay, 58 anos, livreiro do Sebo José Bonifácio, reforça que a experiência sensorial é essencial para a leitura. “Se não sentir o cheiro, a folha e poder carregá-lo para todos os lugares, não se faz tão interessante”, enfatiza. No emprego desde julho do ano passado, ele conta que decidiu trabalhar no local pelo valor sentimental de ser livreiro. “Fiquei desempregado e vim para Santos morar onde eu quero e fazer o que eu quero”, conta.
Apesar das dificuldades enfrentadas pelos sebos, Daniel também é otimista quanto ao futuro do segmento. Ele aposta que a saturação causada pelo excesso de informações cada vez mais ágeis, oferecidas na internet, fará as pessoas voltarem ao hábito de ler no papel. “As pessoas não estão aguentando mais esse monte de informação rápida. O pessoal vai voltar para um bom livro”, afirma.
O aposentado José Ruy Borges, 76 anos, também compartilha dessa opinião. Mesmo se dizendo integrado às novas tecnologias, ele afirma que a leitura digital não proporciona o mesmo prazer ou comodidade de um livro físico. “O PDF não é a mesma coisa. Ler no tablet é complicado e no notebook pior ainda. É muito desconfortável”, comenta.
Ele também menciona que os sebos são responsáveis por resgatar obras que, de outra forma, poderiam ser perdidas. “Tem livro que sai de catálogo e o que acontece? Ou você acha em sebos ou fica na vontade”, diz.
Cliente do sebo Dom Pedro II desde que se mudou para Santos, há 10 anos, José Ruy destaca a amizade com os funcionários como fator principal para estar sempre frequentando o lugar. “Tenho amigos em outros sebos, mas prefiro esse pela amizade com eles”, explica.
“Aqui teve gente que se conheceu, formou parceria para fazer algum projeto, namorou e até casou”, relata Marcos Roberto Pereira, 51 anos, proprietário do Sebo Dom Pedro II. O livreiro conta que tinha um acervo de livros e, quando apareceu a oportunidade de um ponto estar disponível, não pensou duas vezes antes de iniciar seu próprio negócio, onde está há mais de 10 anos
“Se não fossem as vendas na internet, o sebo tinha fechado”, desabafa. Ele, que também faz vendas on-line através da plataforma Estante Virtual, menciona as facilidades nas vendas virtuais, como os custos menores e a logística, porém ressalta que, dentro desse universo digital, não há o contato humano encontrado nos sebos. “Não se formam amizades, relações e conexões. Esse lado do contato e da conversa faz muita diferença”, afirma.
Ao longo desses anos trabalhando no sebo, o livreiro testemunhou diversas histórias de pessoas que transformaram suas vidas ao encontrar nos livros uma orientação para seus caminhos profissionais.
Uma dessas é de uma jovem que, em busca de recomendações de leitura, foi indicada por Marcos a ler Carlos Drummond de Andrade. “Ela leu, gostou, e começou a voltar, vindo atrás de mais coisas”. Ele afirma que, após muitos anos sem vê-la, um dia, ela retornou ao sebo trazendo uma edição limitada de obras completas do autor. “Ela disse que virou pesquisadora da obra dele, foi conhecer a família dele e até participou de um CD com pesquisadores e pessoas ligadas à obra do Drummond, recitando seus poemas”, relembra.
Marcos tem a impressão de que há um maior fluxo de jovens no sebo hoje em dia, o que pode indicar a chegada de novos tempos. “Você tem que estar inteirado no que o jovem lê para poder dialogar, conversar e ter esse público próximo de você também”, diz. Um exemplo disso está na escolha do catálogo, onde o sebo procura ter à disposição os livros que são pedidos nos vestibulares.
No entanto, o livreiro admite a dificuldade do sebo em se manter atualizado aos novos gostos e demandas. “Não é fácil estar atento para as tendências, porque elas trocam com muito mais velocidade hoje em dia. E o sebo não é uma livraria, então a gente não faz pedidos, nós recebemos quando chega alguém oferecendo, vendendo ou querendo trocar”, diz.
Pessoas que já não sentem mais o desejo de ter os livros, acabam levando-os para as bancas dos sebos, onde podem ser tanto vendidos como doados. “A pessoa fala que quer vender e a gente faz uma proposta, mas tem alguns que doam. A pessoa fez o curso, não trabalha, já não está mais interessada, ela vem e doa”, explica Daniel.
O livreiro relata que, além da popularização da internet e dos e-books, a localização dos sebos também foi um fator que impactou no fechamento de alguns pontos. Aqueles que estavam situados em lugares com pouca circulação de pessoas não conseguiram sustentar o negócio. Daniel considera que o seu ponto, numa praça e próximo ao fórum, está num lugar estratégico.
No entanto, atualmente, a Praça José Bonifácio encontra-se interditada devido a reformas, dificultando o acesso das pessoas ao sebo. Apesar das adversidades, há otimismo quanto ao futuro. “Quando acabarem as obras, vai melhorar. Agora é um momento difícil, tem que saber esperar”, comenta.
Com mais de 20 anos de história, o Sebo José Bonifácio comercializa livros com preços acessíveis, que variam de R$ 10 a R$ 80, incluindo livros técnicos que chegam a custar até R$ 400 na internet, além de gibis, revistas, álbuns de figurinha, discos de vinil, CDs, moedas e cédulas antigas.
Já o Sebo Dom Pedro II, que fica na Praça dos Andradas, em frente ao Terminal Rodoviário de Santos, vende livros na faixa de R$ 10. O espaço também possui gibis, revistas, CDs, discos de vinil e DVDs. “A gente, infelizmente, prevê um futuro cada vez mais difícil, mas nós insistimos”, diz Marcos. O livreiro pede por maior sensibilidade e cooperação do poder público como forma de apoio aos sebos. “Ajuda na divulgação, facilitação em termos de questões jurídicas, impostos, ou mesmo ter um diálogo aberto para conversar soluções e possibilidades”, sugere.
Enquanto isso, os livreiros de Santos seguem resistindo com o apoio da população. “Muitas pessoas passam aqui e dão palavras de incentivo para ‘continuarmos firmes’, porque somos os ‘heróis da resistência’”, reforça Daniel, que acredita que os sebos têm se tornado um símbolo.