Notável por fazer o presidente da República de refém (seja ele Lula, Bolsonaro, Temer ou qualquer outro), o Centrão não consegue emparedar os prefeitos nas cidades brasileiras. A cientista política Christiane Disconsci explica que isso acontece porque os vereadores estão muito mais preocupados em dar respostas aos problemas reais dos cidadãos do que entrar em debates ideológicos. Além disso, os prefeitos têm mais capacidade de negociar individualmente com cada vereador
Por que a pressão que o Centrão exerce em nível federal não acontece nos municípios, já que as câmaras de vereadores são formadas em grande parte por políticos de partidos do Centrão?
O Centrão vem sendo o fiel da balança há anos, seja governo de direita ou esquerda. É preocupante, porque o Centrão deveria estar mais conectado com as demandas da sociedade do que no poder pelo poder. No Brasil, o vereador é o ente político mais próximo do cidadão, é o para-choque da sociedade. Então, a escolha não é tão partidária, o que pesa para o eleitor é escolher o político que vai resolver a coisa do dia a dia. É muito mais fácil para o prefeito dialogar com esses vereadores de uma forma mais individual. O prefeito tem mais capacidade de resistir a pressões e tem mais musculatura política para atender pedidos dos vereadores e distribuir cargos no governo… Nos municípios, essa defesa da ideologia partidária é muito distante. O vereador prefere dialogar com o prefeito e conquistar os benefícios que ele precisa.
A polarização entre candidatos alinhados com Lula e Bolsonaro acabou não acontecendo nas eleições municipais. Por quê?
Eu vejo principalmente pela questão de o cidadão viver no município, é na cidade que as coisas acabam acontecendo, a polarização fica em segundo plano. O eleitor quer resultados práticos e menos polêmica. Veja por exemplo na capital paulista, onde a gente tinha direita e esquerda extremamente polarizadas, mas quem acabou levando foi o atual prefeito, que tinha uma postura muito mais amena.
Numa escala de 0 a 10, qual é o peso dos debates de temas nacionais nas eleições municipais?
Eu daria nota sete, porque a vida do cidadão depende também de muitas questões nacionais. Na nossa região, temos como exemplos a ligação seca entre Santos e Guarujá e os aeroportos de Guarujá e Itanhaém e do Complexo Andaraguá, em Praia Grande. São temas que dependem da articulação dos nossos políticos daqui com as outras esferas de governo.
Nesse sentido, o debate ideológico não tem muita importância para o eleitor…
Exato. O cidadão prefere escolher um candidato que teve experiência, que já mostrou serviço e as cidades já têm suas figuras conhecidas. Muitos ex-prefeitos voltaram ao poder e isso não tem nada a ver com a polarização nacional. Muitos vereadores foram eleitos tendo Bolsonaro como cabo eleitoral, mas, comparando com 2018, percebe-se que este apoio teve menos força. A liderança dele está minguando? Está migrando, não minguando. Hoje, existem outras figuras da direita emergindo, que vão ter o apoio de pessoas focadas em resultados econômicos. As eleições de Donald Trump nos Estados Unidos e Javier Milei na Argentina indicam essa tendência.
O presidente Lula também perdeu poder como cabo eleitoral. Exemplos claros foram os resultados nas cidades da região do ABC e na capital paulista. Por quê?
A raiz é a desconexão da esquerda com os temas do trabalhador, ficou abraçando causas como falar “todes”, isso saturou demais as pessoas. Elas preferem discutir coisas mais práticas, como ter comida na mesa. A direita acabou achando esse espaço do tema econômico. Houve esse distanciamento da esquerda com as massas e Lula perdeu sua importância como cabo eleitoral.
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