A médica Ana Claudia Quintana Arantes trabalha com Cuidados Paliativos. E começou a escrever livros sobre as experiências que viveu com pacientes terminais. Depois relatou histórias desses pacientes. Histórias emocionantes, de resiliência, mas também de aceitação. Sobre a conquista da dignidade na morte. Sobre as diferentes maneiras como as pessoas vivenciam o final.
Em Pra Vida Toda Valer a Pena, a autora mudou de temática. Escreveu uma espécie de receita de preparação para a velhice.
Na introdução desse livro, a autora propõe uma reflexão muito interessante. Uma reflexão que deveria fazer cada um de nós parar um pouco as atividades para pensar. Pensar muito…
Trata-se de uma hipótese. Vamos imaginar que você, leitora / leitor, aos 40 anos, faça um pacto com uma pessoa da mesma idade: aos 70 vocês vão morar no Saara.
Os 30 anos se passam e, aos 70, vocês vão para o deserto, como estava combinado. Aí a outra pessoa começa a reclamar: “É muito quente. Não sabia que o calor era tão intenso.” E é verdade: 50° Celsius é muito difícil de suportar.
À noite, mais reclamação: “É muito frio. Eu não trouxe agasalho.” Também é verdade: – 15° Celsius congela o nosso sangue nas artérias.
Só que aí você pensa: “Como assim? Você teve trinta anos pra se preparar. Como pode estar surpreso com o calor do Saara durante o dia ou com o frio durante a noite? Você não leu nada, não se interessou?”
A metáfora se refere à nossa postura em relação à velhice. Sabemos que ela vai chegar mas nossa preparação pra ela é zero.
E aí, quando ela chega, reclamamos das dores, das limitações, do desvalorização da aposentadoria, da morte das pessoas queridas, do distanciamento dos filhos e netos…
Muitas dessas tristezas e problemas poderiam ser evitados ou atenuados com um planejamento para esse período da velhice.
É curioso: se alguém sabe que vai ter de viajar para a Austrália ou para o Canadá, pesquisa a temperatura, a alimentação, a língua, as distâncias, os trajes, os costumes.
Com a velhice, a maioria das pessoas não se preocupa. E chegam nesse período despreparadas.
Não é diferente com outro destino pré-fixado: a morte.
Os gregos da Antiguidade colocavam moedas nos olhos dos mortos para que eles pudessem pagar o barqueiro Caronte, que fazia a travessia do rio Estige para a alma chegar ao Hades. Sem esse dinheiro as almas não atravessariam o rio e ficariam no limbo.
Muitos de nós, nem isso. Nem nos preocupamos se vai ter rio pra atravessar. Se vai precisar de moeda pra pagar tarifa. Na verdade, nem a possibilidade de haver vida depois da morte ocupa o nosso tempo.
Chegamos na velhice pra mergulhar na depressão e na morte pra mergulhar no desconhecido.
Talvez possamos, em 2025, guardar algumas horinhas por semana para pensar nessas duas questões.
O título do livro da Ana Cláudia é o mesmo desta crônica.
Feliz Ano Novo !!!