Os ratos, este pequeno clássico da literatura brasileira, lembra-nos daquilo que é essencial: a arte de contar uma boa estória. Sem resvalar por lugares-comuns ou adotar estereótipos de fácil assimilação, o enredo não poderia ser mais simples: precisando de dinheiro para pagar o leiteiro, Naziazeno sai à rua para tentar cavar o dinheiro. Um dia inteiro passado num círculo infernal que tenta se completar a todo custo.
Como toda boa literatura, a pequena epopeia não orgulhosa de Naziazeno poderá ser apreendida sob vários níveis. É por si mesma uma excelente estória; entretanto, há várias camadas e metáforas que compõem a caminhada de nosso anti-herói pela cidade – a ponto de críticos autorizados compararem este livro às poderosas narrativas russas do século XIX. O errante personagem causará emoções conflituosas no leitor – como, repita-se, toda boa literatura faz.
No fim do dia, Naziazeno arrisca tudo porque nada tem. Vive cercado pelo drama da luta quase desesperada pela sobrevivência digna, que se renova a cada dia. Uma estória que é de muitos.
Motivos para ler:
1- Dyonelio Machado (1895-1985), de origem muito humilde, sagrou-se psiquiatra e produziu, nas palavras da crítica, uma literatura “parca porém instigante”. Os ratos é sua obra-prima. Dividido em 28 curtíssimos capítulos, induz uma luz originalíssima sobre o prosaico – algo sempre muito difícil de atingir;
2- Entre bondes e caminhadas, desencontros e rejeições, apostas em roletas, agiotas e tantas outras desventuras, a rebaixada jornada angustiante de Naziazeno trespassará as páginas e atingirá o coração do leitor. Não se perturbe com isso. Mais uma vez e de novo, repetimos: é isso que a boa literatura faz;
3- O fluxo de consciência final no lusco-fusco do quase sono de Naziazeno encerra magistralmente o romance. Toda a angústia se prolonga até a última frase do livro, quando o desfecho é revelado. Eis um livro que merece, com vigor, voltar às pautas de debate nos múltiplos círculos da sociedade.
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