Livros e mais livros

Os anos, a autobiografia impessoal da Nobel de 2022

04/01/2023
Os anos, a autobiografia impessoal da Nobel de 2022 | Jornal da Orla

Annie Ernaux trabalha uma literatura muito própria: seus livros, sempre curtos e sem grandes ornamentações linguísticas, revelam episódios de sua vida. É uma escritora que fala de si mesma em tons de romance. Há quem diga que Ernaux criou um novo gênero literário, uma espécie de escrita memorialista. Toda essa originalidade, agregada à excelência de seu texto, resultaram na atribuição do Prêmio Nobel de Literatura à francesa.

Os anos é uma espécie de autobiografia impessoal – inclusive contada em 3ª pessoa – percorrendo seis décadas de vida da autora e sua interação com os acontecimentos da grande História. Um projeto ousado, ambicioso e genialmente concluído em pouco mais de 200 páginas.

A escritora parece confessar, na bela parte final do livro, que escreve para salvar o seu tempo enquanto há tempo: “salvar alguma coisa deste tempo no qual nós nunca mais estaremos”. Diz a epígrafe do livro: “Temos apenas a nossa história e ela não é nossa”. Pois sim: Ernaux olhou para si própria buscando entender o mundo e, assim, cristalizou uma memória que, agora, é de todos nós.

Motivos para ler:
1- A francesa Annie Ernaux nasceu em 1940 e dedicou grande parte da vida à docência. Seus livros já são considerados clássicos modernos em França. Com o recebimento do Nobel de Literatura 2022, seu nome foi difundido e ganhou leitores pelo planeta inteiro. Dela certamente voltaremos a falar noutras oportunidades;

2- Apesar do livro se desenvolver num recorte histórico-cultural muito específico, há uma luz universal que perpassa tudo. A passagem da infância à adolescência e a chegada à maturidade são reconhecidas por qualquer leitor. Aprendemos que somos todos ligados ao mundo e pelo mundo;

3- O destaque do livro é a capacidade de partir do pequeno (vida íntima) para o grande (História) e vice-versa, num giro de compreensão do indivíduo e do coletivo. Atravessando o segundo pós-guerra e chegando à atual sociedade de consumo, Ernaux expõe o que sentiu sob os influxos da política, religião, comportamento, sexualidade, sexismo, tecnologia. Tudo pelos olhos críticos de uma mulher.

Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete a linha editorial e ideológica do Jornal da Orla. O jornal não se responsabiliza pelas colunas publicadas neste espaço.