Recebo pelo WhatsApp, de uma amiga, a Beth, uma reza portuguesa antiga. A oração pede a dezembro, um mês super-especial, presentes também especialíssimos, que seriam muito bons de receber.
Esses presentes não estão nas lojas. Vêm por impulso espontâneo das outras pessoas. Entre eles, um “gosto muito de ti’, um abraço apertado, um coração onde você pode morar sem contrato de aluguel e sem prazo de validade. Também podem vir sob a forma de mãos dadas ou de olhos que brilham para você, ou de ombros onde encostar a cabeça e reencontrar a paz.
Na parte do ombro, lembro de um amigo que pergunta todo romântico para a namorada qual o melhor lugar para a cabeça dela, com a sugestão embutida de uma resposta; o ombro dele. E ela, mal-humorada, responde que é em cima do pescoço dela mesma.
A oração pede a dezembro presentes que tragam o fermento da alegria que faz a vida valer a pena, a esperança que permite à pessoa viver de peito aberto.
A esperança faz lembrar do filósofo Mário Sérgio Cortella. Perguntado, num dezembro, sobre o que diria no Natal a alguém que não tem nada, nem casa, nem família, nem roupa, nem alimento, nem ceia, nem presente, ele respondeu:
“Falaria de esperança.”
Lembrei também de uma crônica muito antiga em que especulo sobre presentes não-materiais que seriam muito bons de poder dar.
Que tal uma dose generosa de paciência a uma pessoa muito ansiosa? Está na cara que essa pessoa precisa muito mais dessa paciência do que daquele celular novo. Ou 800 gramas de capacidade de escuta para quem não consegue parar de falar? Muito mais útil do que aquele tênis colorido da Adidas que coloca um brilho de estrela nos olhos dele. Ou quem sabe um pouco de solidariedade que ajude alguém a sair da concha do egoísmo ou de humildade para sair da outra concha, a do narcisismo.
O grande problema para dar esse tipo de presente não está na não-materialidade deles. Está numa limitação muito maior, muito mais terrível: a de que ninguém consegue dar aquilo que não tem.
E aí entra o mais especial dos presentes. Não está nem entre aqueles que você pode ganhar de outra pessoa, nem entre esses que você pode dar a alguém. É o que você pode dar a você mesmo: a reforma íntima.
O projeto não é difícil. Você pode – e deve – fazer já: é só escrever uma lista das coisas não-concretas que você gostaria de dar às pessoas que você ama, ou ganhar delas: a paciência, a capacidade de escuta, a solidariedade, a humildade, o abraço apertado, o brilho no olhar, o “gosto muito de ti”. A reforma íntima se concentra principalmente nas relações com as outras pessoas.
É super-fácil fazer essa lista completa E depois é só começar a desenvolver isso tudo em você mesmo.
É preciso reconhecer que aí já aumenta muito o grau de dificuldade. É bem mais difícil. Talvez 2025 não seja suficiente… rsrsrs.
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