Crônica

O mundo mudou e a gente não percebeu

29/11/2024
Presidência da República

Uma parte do país acompanhou estarrecida, nesta semana, a divulgação da investigação da Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe contra a democracia em 2022. Outra parte manifesta descrença em relação ao trabalho dos policiais federais e minimiza o conjunto de iniciativas investigadas, que inclui até um inacreditável plano, de militares de elite, para assassinar Lula, Alckmin, e Alexandre de Moraes.

O desfecho desse imbróglio ainda está indefinido. Tanto as consequências judiciais, com eventuais condenações e prisões – ou não – como as consequências políticas.

O mundo mudou muito nos trinta anos entre o final dos anos 80 e o início desta década.

Em 1987, nos Estados Unidos, o senador democrata Gary Hart, surgia como virtual candidato democrata à Presidência e superava com folga nas pesquisas o provável rival republicano, George Bush. Lembrava um pouco pela aparência o mítico presidente assassinado John Kennedy, era antenado nas ideias e sóbrio no comportamento. Candidato ideal. Caçapa cantada. De repente, não mais que de repente, surge uma foto do senador, casado, com uma modelo, Donna Rice, sentada no colo dele. Amada amante.

A carreira política de Hart evaporou. Ele nem tentou se explicar. Desistiu. Sumiu.

Em 2024, um Donald Trump condenado na justiça por ter subornado com dinheiro de campanha eleitoral uma ex-atriz pornô para manter secreto um envolvimento sexual do passado com ele, não só venceu as primárias do Partido Republicano como ganhou também as eleições.

O que explica uma guinada tão grande do eleitor, da leitora e do leitor, do colunista, da opinião pública, nestas três décadas? Não foi nenhuma guerra, nenhuma descoberta científica, nenhuma revelação divina como as tábuas de Moisés ou a fuga de Maomé.

O que mudou radicalmente foi a maneira como a informação chega nas pessoas. A internet e as redes sociais democratizaram a produção de informação. E também o acesso a ela. Para o bem e para o mal. Qualquer pessoa grava um vídeo na rua e posta. Qualquer pessoa veicula uma opinião sobre Física Quântica ou Microbiologia. Qualquer pessoa inventa uma mentira que replicada milhões de vezes se torna uma “verdade”.

Todas as pessoas se tornaram informadas. Com informação muitas vezes superficial? Sim. Com muitas notícias falsas? Também. Mas informadas. Posicionadas. Polarizadas, como se gosta muito de dizer.

Então nós, coletivamente, passamos a aceitar um Lula condenado duas vezes pela justiça. Um Trump que manteve documentos secretos dos Estados Unidos num banheiro na Flórida. Um Marçal que acusa falsamente o adversário eleitoral de cheirador de cocaína. Do mesmo jeito que vamos, talvez, aceitar no futuro um Bolsonaro que tenha conspirado contra a democracia com um plano de assassinato de adversários.

A mudança radical destas três décadas é o avanço do egoísmo, do narcisismo, do cinismo. O mais importante deixou de ser a qualidade moral, o preparo intelectual, o comprometimento social do Trump, do Bolsonaro, do Lula, do Marçal. Passou a ser, a identificação do cidadão com eles. De um lado da polarização, a solução simplista oferecida para um problema complexo que incomoda, ou, de outro, a política pública não-sustentável que embalou sonhos de imaturidade política.

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