Entre todos os elementos da vida, só um é eterno: o vínculo. Os diamantes são eternos no título de um filme do 007. Mas daqui a um bilhão de anos, nenhum deles vai ter conservado a textura. Vão ter se desintegrado, como livros, prédios, oceanos, hormônios, montanhas. Mas você vai continuar filho do seu pai, amiga da sua amiga, aluno da sua professora. O vínculo é eterno.
Nas orações, peço ajuda espiritual para a evolução em todos os campos: espiritual, emocional, intelectual, físico, profissional, financeiro, afetivo, social, ético e moral. No social, a evolução que eu peço é na direção da manutenção dos vínculos sólidos já existentes e da construção de novos com a mesma qualidade.
Nesse ponto da história entram as canoas havaianas. Elas criam vínculos.
Alguma coisa mágica embarca nelas junto com os remadores. A sincronia de remadas que o impulsionamento da canoa exige se transforma, com o tempo, em sintonia emocional, afetiva e espiritual entre as pessoas que remam juntas.
As canoas chegaram a Santos em 2000, trazidas pelo remador Fábio Paiva, que se apaixonou por elas numa viagem. Foram se multiplicando. Ocuparam a Ponta da Praia. Passaram a fazer parte da paisagem. Foram se espalhando por todo o litoral. E arregimentaram uma legião de remadores apaixonados.
Faço parte dessa legião. Talvez haja alguma coisa hereditária nisso, porque meu avô João, portuário, treinava remo às 4 da manhã. Competia pelo Saldanha. Também lembro sempre desse avô nas minhas orações.
O escritor argentino Jorge Luis Borges, alguns dias antes de morrer, escreveu um texto-testamento: “Se eu pudesse viver minha vida novamente, contemplaria mais entardeceres…”.
Na música Epitáfio, a banda Titãs, trouxe um conteúdo parecido: “Devia ter amado mais / Ter visto o Sol nascer…”.
Borges e Titãs, se tivessem assistido a um nascer do Sol na Ponta da Praia, em Santos, neste século 21, certamente incluiriam aí uma referência às canoas havaianas: “Devia ter remado mais / Mergulhado mais / (no mar azul-turquesa da Ilha das Palmas) …”.
Tenho remado e mergulhado. E as canoas criaram um vínculo de encantamento num grupo que rema aos sábados às sete da manhã. O grupo é heterogêneo: sete mulheres e três homens. Até haveria uma certa homogeneidade nas idades, pois 8 dos componentes do grupo tem entre 39 e 54 anos. Mas os meus 72 e os 26 da minha filha mais que triplicam para 46 esse intervalo de 15 anos entre o mais velho e a mais nova. Essas dez pessoas desenvolveram um prazer quase sólido (que não se desmancha no ar), de estar juntas. Na canoa, no café da manhã que rola depois na Padaria Imperatriz, no grupo de WhatsApp, na comemoração dos aniversários. Um prazer enorme. Raro. Raríssimo. Eu nunca tinha participado de um grupo com essa característica tão marcante. Se você, leitora / leitor, conhece algum desses remadores, pode confirmar isso: as irmãs Cristiane e Carla, outras duas, Leandra e Larissa, o marido desta última, Felipe, Fabiana, César, Andréa, minha filha Luluza e eu.
A cumplicidade gigantesca desse grupo fez desabrochar nele a generosidade de estar sempre aberto para conviver com outras pessoas, como remadores que se desgarraram, como um novo leme, Felipe Neumann, como cônjuges e namoradas(os), que são chamados, entre carinhosa e ironicamente, de “contas conjuntas”.
Se você sente uma sintonia parecida com essa, preserve, invista nela. Se você já sentiu e perdeu, procure recuperar. Se sentir no futuro, guarde cuidadosamente num cofre dentro do coração. O vínculo é eterno e na eternidade você vai descobrir que um com esse quilate está no topo do ranqueamento das melhores coisas da vida.