Política

Lideranças relatam episódios de subestimação e desafios

08/03/2025 Josi Castro
divulgação

Mulheres revelam as dificuldades para exercerem mandatos devido à questão de gênero

Uma das mulheres com atividade política mais longeva na história recente da região, com mais de quatro décadas de vida pública, Telma de Souza ‘reabriu trilhas para que outras pudessem caminhar’ dentro do cenário na Baixada Santista, independente de espectro. Em exclusividade para o Jornal da Orla, ela repassa a memória da trajetória como vereadora por três legislaturas, deputada estadual por dois mandatos e federal por quatro, além de prefeita.

Eleita pela primeira vez em 1982, ela precisou enfrentar a discriminação de seus pares e de parte da população para que fosse ouvida. “A misoginia e o preconceito ainda prevalecem na sociedade até os dias de hoje, embora tenhamos caminhado muito”, comenta.

Quando assumiu aquele mandato de vereadora, nem haviam sanitários femininos no plenário do parlamento santista. “Aquilo era um recado claro que ali não era um lugar destinado para nós. O que mais irritou alguns setores, principalmente o político, não foi somente o fato de eu ser uma mulher, mas sim o de ser combativa, que sabia exatamente o que queria, que apresentava críticas e propostas alternativas para a Cidade”, relembra Telma.

Na vitória como prefeita de Santos, em 1988, apesar da experiência nos quatro anos anteriores na Câmara Municipal, Telma sentiu o peso de ter sido eleita a primeira (e única, até o momento) mulher a ocupar a governança da principal cidade da Baixada Santista. “Chorei por dois dias sem parar. Achavam que era por medo ou fragilidade. Era, na verdade, o tamanho da responsabilidade que tinha, por ser mulher, de um partido pequeno à época e de esquerda, numa cidade da importância de Santos. E fomos exitosos nessa caminhada, concluindo nossa gestão com 95% de aprovação (Datafolha e IBOPE), números recordes até hoje.” conta.

No âmbito feminino, Telma criou o Departamento da Mulher (hoje com status de secretaria municipal) dentro do organograma da prefeitura, como uma das primeiras medidas para combater a desigualdade de gênero no poder público municipal. “Por outro lado, chamei sete mulheres para governar ao meu lado em cargos-chave. Duas delas viraram deputadas e outras, vereadoras. Com a presença delas na política, outras podem pensar, ‘por que eu também não posso’”, destaca.

A iniciativa, até então inédita, provocou um novo paradigma nas administrações municipais. “Em plena redemocratização do Brasil, foi desafiador para o poder público em geral. Sob a égide da nova Constituição, ainda não haviam conselhos municipais, que tiveram de ser criados. Foi uma ebulição de novas tarefas aos municípios, por causa do novo pacto federativo. O empoderamento das mulheres ganhava uma outra dimensão e sei que pude contribuir para isso”, recorda.

Para Telma, a mulher na política tem um modo diferenciado de atuar. “Temos um olhar diferente, mais sensível, solidário e humano, características da nossa formação social e biológica. Trazemos isso para a política e cargos de liderança e isso é muito bom, principalmente para a população, que experimenta um outro nível de atendimento. Não sei se considero uma vantagem, mas, com certeza, é um diferencial”, atesta.

Aos 80 anos de idade, e mais da metade deles na vida pública, Telma de Souza considera que, nos dias atuais, o papel da mulher dentro da política nacional ainda está em construção. “O ideal seria que, um dia tivéssemos a paridade de fato nos postos de direção, no público e no privado. Hoje, a visão da mulher é importante, pois há aspectos que tocam apenas ao gênero feminino e as iniciativas têm que partir dele”.

Ao fazer um balanço de seus feitos ao longo de sua carreira, Telma avalia que deixou sua marca na história política de Santos. “Sou resultado direto de toda essa caminhada, que entendo como vitoriosa não apenas pelas vitórias eleitorais ou pela quantidade de votos que recebi ao longo da vida e sim pelos serviços prestados e conquistas oferecidas à população, que fazem parte do dia a dia das pessoas, ajudando a melhorar a vida de muita gente. Sou autora da lei da Política Municipal de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, aprovada no meu último mandato, uma das iniciativas mais avançadas do setor e que precisa ser incorporada ao dia a dia da cidade. As policlínicas, a luta antimanicomial, o Orçamento Participativo, enfim, fazem parte um legado que deixo à disposição.”