Por que a homofobia, a transfobia? Em que a existência de pessoas nâo-héteros pode incomodar desconhecidos delas?
Uma notícia desta semana, que passa meio despercebida, reacende uma curiosidade aguda que muita gente compartilha. O conteúdo da notícia é uma ameaça. De uma mulher. Por e-mail, ela ameaçou a deputada estadual Dani Balbi (PC do B – RJ). Uma ameaça terrível, impregnada de um ódio impressionante.
“Talvez um dia eu surte, porque sou mulher e tenho direito de surtar, e sequestre você. Eu gostaria muito de te queimar viva e assistir a isso: um homem pegando fogo na minha frente. Eu gostaria de ver você queimar até os ossos, tacando gasolina e fogo no seu corpo.”
A deputada Dani Balbi é uma mulher trans. A carta define a deputada como uma “aberração”.
Por que a notícia passa despercebida? Porque as pesquisas eleitorais, os debates entre candidatos, as guerras, as ameaças tresloucadas de uso de armas atômicas absorveram quase toda a nossa atenção.
E também porque estamos anestesiados contra esse tipo de estupidez. Não nos chocamos mais. O Brasil lidera, há mais de uma década, o ranking sombrio de nações onde pessoas trans e travestis são assassinadas. Essa brutalidade, essa anomalia, passou a fazer parte do nosso cenário.
No Dia Internacional da Mulher, no ano passado, o deputado Nikolas Ferreira (PL – MG), usando uma peruca loira, disse na tribuna da Câmara que se sentia uma mulher transexual e que portanto teria “lugar de fala” naquela data. E aí despejou litros de preconceito: “As mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres.”
A transexualidade é a condição da pessoa que se identifica com um gênero que diverge do sexo físico que foi atribuído a ela no nascimento.
Uma minoria.
O avanço de uma sociedade é medido pelo cuidado que os indivíduos demonstram por idosos, crianças, portadores de deficiências e minorias em geral. E também pelo respeito com que os componentes dessa sociedade tratam a diversidade sexual, étnica, religiosa.
Nesse ponto, o brasileiro cordial, do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda ficou no passado. O brasileiro do século 21 é recordista mundial de assassinatos de travestis e pessoas trans: 145 no ano passado. A essa cifra podem ser somados mais 10 suicídios que se seguiram a atos de violência que essas pessoas sofreram.
A curiosidade aguda que essa notícia reacende pode ser traduzida numa pergunta simples:
“No que a sexualidade do outro pode incomodar você?”.
No quê? Por que a homofobia, a transfobia? Em que a existência de pessoas nâo-héteros pode incomodar desconhecidos delas?
Por que a autora da carta destila tanto ódio da deputada estadual trans Dani Balbi? Por que o deputado Nikolas Ferreira se incomoda tanto com a presença da deputada federal negra e trans Érika Hilton (PSOL – SP) no Congresso?
Se você, leitora / leitor, tem uma explicação para esse sentimento de ódio, manda pra gente pelo e-mail [email protected] com o título “Transexual”.
Enquanto não surge uma explicação lógica para esse ódio cavernoso e vulcânico, a palavra “aberração” fica muito mais ajustada ao homofóbico e ao transfóbico do que às pessoas trans e travestis que provocam esse sentimento neles.
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