Longevidade

ENTREVISTA: Mauro de Oliveira Freitas, professor de Direito da Pessoa Idosa

22/02/2025 Alceu Nader
Arquivo pessoal

Mauro de Oliveira Freitas é advogado especializado em pessoa idosa. Gaúcho de Porto Alegre, vive em Brasília desde 2008, e lidou pela primeira vez com os 60+ em 2012, durante a prova de um curso de Planejamento e Gestão Empresarial. A questão envolvia o acelerado envelhecimento dos brasileiros. Desde então, tornou-se um militante a favor da causa das pessoas idosas. Em 2015, criou a Associação Brasileira do Cidadão Sênior (Abracs), que hoje representa a sociedade civil em conselhos dos Direitos da Pessoa Idosa de vários estados e municípios. Entre 2021 e 2023, foi presidente do Conselho Nacional da Pessoa Idosa. Hoje, além de professor na Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB do Distrito Federal, é palestrante, conferencista e advogado. Nesta entrevista, ele fala da proteção da Justiça à pessoa idosa.

Por que o senhor costuma dizer que o Estatuto da Pessoa Idosa do Brasil é exemplo para outros países?
Enquanto muitos países, criaram seus Estatutos a partir de convenções internacionais, o do Brasil é um desdobramento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o primeiro da História visando a garantir segurança e dignidade para qualquer ser humano, em qualquer país e sob quaisquer circunstâncias. A partir de 2003, quando o Estatuto entrou em vigor, o envelhecimento passou a ser visto como um conjunto de direitos e deveres, e não como resultado de um ato assistencialista.

Mas o Estatuto é levado a sério?
Está avançando para ser cada vez mais respeitado. Nesse momento, muitos estados e municípios estão anunciando a criação de delegacias especializadas com pessoal capacitado para atender a pessoa idosa. Mas, por ser muito recente, o Estatuto depende do aprimoramento de leis e da criação de jurisprudência. A questão central é que os garantidores do Estatuto – a família, a sociedade e o Estado – foram atropelados pelo envelhecimento acelerado da população. Em 20 anos, o Brasil envelheceu na mesma proporção do que a França em cem anos. De uma hora para outra, começamos a viver muito mais e com uma redução drástica da fecundidade. Novos desafios surgiram, porque tudo continua acontecendo ao mesmo tempo, e em alta velocidade.

O senhor é autor de uma cartilha sobre os direitos da pessoa idosa. A sociedade, os governos e mesmo os idosos conhecem, realmente, esses direitos?
Não. Muitas pessoas idosas desconhecem os seus direitos. A própria sociedade, em geral, ignora a legislação, dificultando a aplicação do Estatuto. O governo, por sua vez, falha na divulgação e na fiscalização. Precisamos de campanhas educativas, de capacitação de agentes públicos e de fortalecimento dos canais de denúncia, além do Disque 100, para garantir respeito aos direitos da pessoa idosa.

Por que os 60+ são pouco representados no Congresso?
Isso tem a ver com a percepção da sociedade com relação ao seu próprio envelhecimento. Parece que a velhice não nos diz respeito. Velho é o outro. Felizmente, isso também está mudando. Antes, o Estatuto parecia uma lei de aplicação incerta e não sabida. Agora, já se compreende o envelhecimento como um direito, e não como uma consequência natural de precariedade. O Congresso também está mais atento.

O senhor pode citar um exemplo?
Sim, porque está prestes a ser votado e entrar em vigor, e tem a ver com a explosão dos casos de agressão física contra idosos. O Conselho Federal de Enfermagem apurou que, entre 2020 e 2023, foram atendidas mais de 408 mil pessoas idosas vítimas de agressão física, quase sempre dentro de casa e por alguém da família. Por outro lado, quase as penalidades do Estatuto variam de seis meses a um ano de prisão, facilmente convertidas em trabalho social. Se uma senhora é a vítima, sua proteção será maior e o agressor ou agressora terá penalidades maiores, porque a Lei Maria da Penha pode ser acionada. Mas se a vítima for um idoso, a Justiça não lhe dá a mesma proteção, as penas são mais brandas, e ele provavelmente será agredido de novo. Em breve isso vai mudar.

Os recursos são suficientes?
No ritmo em que estamos, realmente, não dá atender. Vai faltar médico geriatra, cuidador com boa formação, executivo de RH capacitado para combater o etarismo nas empresas, vai faltar aparelho em clínicas de fisioterapia. Nós não tivemos tempo para criar uma cultura que ofereça produtos e serviços para a geração 60+.

As novas tecnologias trouxeram o crescimento dos crimes digitais contra idosos. Existem leis de proteção ou elas precisam ser criadas?
Existem leis gerais, como o Código Penal e o Marco Civil da Internet, mas elas não protegem os idosos de forma específica. É essencial criar normas mais rigorosas e mecanismos preventivos para coibir fraudes e crimes digitais. A Lei 14.155/2021, prevê que se o crime (agora tido como qualificado) for praticado contra pessoa idosa ou vulnerável, a pena será aumentada de um terço ao dobro.

O senhor participou e continua participando de vários conselhos e instituições de proteção à pessoa idosa. O que elas têm feito é suficiente? Ela poderiam fazer mais para a melhoria da qualidade de vida dos idosos?
Essas instituições têm um papel essencial, mas enfrentam desafios como falta de autonomia e de orçamento. Conselhos e grupos técnicos podem influenciar políticas públicas, enquanto entidades como a Abracs atuam diretamente com projetos sociais e conscientização dos direitos da pessoa idosa. Esse é o caso da cartilha comentada sobre o Estatuto e que está à disposição da população no endereço www.abracs.org.br.

O que falta para que governos e legisladores sejam mais ativos, pois a taxa de fecundidade continua diminuindo, a expectativa de vida aumentando e a população 60+ é cada vez maior?
Falta visão estratégica e dados atualizados a respeito da condição de vida e das necessidades das pessoas idosas no Brasil. O envelhecimento deve ser tratado como uma questão de desenvolvimento, e não apenas assistência social. É urgente investir em políticas de moradia, trabalho, saúde preventiva e educação continuada. Também é necessário fortalecer a segurança social e criar uma Secretaria Nacional do Envelhecimento mais autônoma e com recurso próprio, objetivando garantir uma atuação coordenada e continua, para viabilizar a criação de uma cultura nacional que entenda o envelhecimento ativo e saudável como um ganho de todos.