Crônica

Encantamentos são para sempre

18/10/2024
Divulgação

Faz 60 anos. Mas eu lembro como se fosse hoje. O funcionário da loja colocou a música I Should Have Known Better, dos Beatles, para tocar. E o meu encantamento foi imediato e absoluto.

Faz 60 anos. Mas a lembrança é nítida até hoje. Como se tivesse acontecido na semana passada. Estamos no ano de 1964. Eu tinha 12. Cursava o que seria hoje o sétimo ano do Ensino Fundamental. Colégio Santista, marista, de tradicional educação religiosa católica.

Minha irmã Judith, de 10, e eu, resolvemos separar, pra comprar discos, uma parte das mesadas (dinheiro para o mês), que recebíamos dos pais. Cada mês seria um a escolher. A Ju também estudava em colégio católico, o São José.

Aquela seria a primeira compra. Na saída das aulas, eu me sentia o consumidor mais importante do mundo. Fui caminhando, com um amigo da classe, até a Marimba, loja de discos no Centro de Santos.

Pedi para o funcionário da loja a música Menina Linda, da banda Renato e Seus Blue Caps que eu conhecia do programa Jovem Guarda, apresentado por Roberto Carlos, e que a minha irmã e eu adorávamos. Ficávamos grudados na tela da televisão todas as tardes de domingo.

O amigo que estava comigo, Carlos Hamilton, que a gente chamava de Pilo, interveio:

“Por que você vai comprar a versão? Compra o original, dos Beatles,”

O cara da loja colocou o disquinho “compacto” pra tocar. Eram duas músicas: I Should Have Known Better, da qual Menina Linda era versão, e A Hard Day’s Night. Fico arrepiado até hoje só de lembrar. Adoro música. E o meu encantamento foi imediato e absoluto.

O primeiro disco que a minha irmã e eu compramos foi esse. Dos Beatles. Influência do Pilo.

Dali em diante, os Beatles fizeram parte da minha vida. Assisti aos filmes: Os Reis do Iê-Iê-Iê e Help. Comprei os discos grandes todos (LPs). Acompanhei a carreira solo dos quatro, George, Paul, Ringo e John, depois de 1970, quando a banda se desfez.

E eis que na noite linda desta quarta-feira, dia 16, estou no Allianz Parque. A Lua Cheia brilha sobre a arena. E no palco é um astro de primeiríssima grandeza que continua brilhando sessenta anos depois. O show é de Sir James Paul McCartney.

Ele entra cantando um sucesso dos Beatles: Can’t Buy Me Love. E por duas horas e meia, encanta uma plateia de 60 mil pessoas com as músicas da banda e da carreira solo dele.

Toca piano em Let it Be, teclado em Live and Let Die, banjo em Something. Um gênio multi-instrumentista, cantor, compositor.

Os nós se sucedem na minha garganta. Os olhos ficam úmidos a cada canção dos Beatles.

Pouquíssimas vezes na vida senti uma conexão tâo intensa com a minha história, com a história do meu tempo. Talvez no primeiro comício da campanha Diretas-Já em São Paulo, na Praça da Sé, em 1983.

A emoção de estar diante de um beatle em carne e osso fica multiplicada pela companhia da minha filha, nascida 27 anos depois da separação dos Beatles. Foi a Luluza, 27, que teve a ideia de irmos ao show e me deu de presente o ingresso para essa vivência mágica.

Saí do Allianz Parque com uma vontade infinita de sentar, tomar um gole de cerveja e prolongar, ao lado da minha filha, aquele momento.

Aprendi nesta quarta-feira, pela vivência, pela experiência, pela emoção, pela conexão, que encantamentos são para sempre. Um deles já estava  gravado na minha alma desde 1964, na loja de discos. Outro foi gravado nesta quarta-feira, noite de Lua Cheia, no Allianz Parque, em São Paulo.

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