Diário do farol

“Não se deve confiar em ninguém”. É esta a epígrafe que abre Diário do farol de Ubaldo Ribeiro. E ela diz muito sobre o que virá nas páginas deste livro: um personagem que, não obstante ter seguido carreira eclesiástica, sempre se inclinou a provocar o mal em todas as suas formas, cometendo inomináveis atos ao longo da vida.

O narrador do livro, um velho clérigo que vive isolado numa ilha, expõe em tons machadianos a sua tormentosa biografia. O leitor perceberá que o personagem já sustentava uma moral condenável desde a infância, e seu singular pacto de maldade se manteve inquebrantável por toda a vida. Uma estória de vingança repleta de eventos que deixarão o leitor perplexo do início ao fim (e que fim, diga-se).

Sem qualquer filtro moral, o padre se move com dissimulação e cinismo com um objetivo firmado: tornar-se o pior dos seres humanos. Segundo o próprio: “não fiz tudo o que de mau já se fez, mas teria feito, se houvesse oportunidade”. Este livro é diversão e terror garantidos.

Motivos para ler:

1- O baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), que diversificou seus estudos entre o Jornalismo e o Direito, lançou-se na Literatura e nela se realizou: além de diversos prêmios (dentre eles o Camões, o mais respeitável da língua portuguesa), tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Dele também recomendamos o já comentado Viva o povo brasileiro, um livro absolutamente espetacular;

2- A boa literatura costuma fazer uso de alegorias para falar com o leitor. Um bom exemplo é a representatividade do farol (apelidado de Lúcifer pelo narrador). Dirá nosso ignóbil clérigo que “o farol existe para cada um”. O leitor atento entenderá a referência;

3- Em suas primeiras palavras o narrador já declara: “a realidade é muitíssimo mais inacreditável do que qualquer ficção”. Deveras. Olhando para os recentes acontecimentos levados a cabo por fanáticos ideológicos amalucados deste país, cremos que nenhum ficcionista faria trabalho melhor.

…