A fantástica história do reino místico de Pampa Kampana
O mundo assistiu, consternado, ao atentado sofrido por Salman Rushdie em 2022. Uma tragédia anunciada: o escritor foi jurado de morte por aiatolá Khomeini em represália à publicação de seu livro Os versos satânicos. As facadas lhe tiraram a visão de um olho e o movimento de uma das mãos, mas não a vida. O autor retornou ao círculo literário neste ano, e o fez em imponente estilo.
Cidade da vitória parte dos terríveis eventos presenciados pela heroína Pampa. Tinha nove anos quando viu as viúvas do vilarejo – incluída sua mãe – armarem uma grande fogueira e nela arderem em suicídio coletivo. Premida pelo ímpeto de construir um mundo mais justo e ungida por uma deusa celestial, Pampa Kampana forja sua cidade fantástica: um reino mágico governado por poderosas mulheres.
O livro arquiteta um épico místico de uma florescente civilização que nasce, cresce, encontra a suprema glória e decai em trágica ruína. Talvez seja mesmo este o destino de todos os experimentos humanos: uma eterna saga de ambição e guerra permeada por curtos intervalos de alguma paz.
Motivos para ler:
1- Salman Rushdie, indiano, radicou-se na Inglaterra e lá ergueu sua potente carreira. A Revolução Islâmica, por meio de seu supremo líder, decretou uma fatwa (1989) condenando o escritor à morte e autorizando qualquer muçulmano a cumpri-la em qualquer lugar do mundo. A sentença, quase consumada em 2022, vale até hoje;
2- Cidade da vitória é um livro que tem tudo dentro dele. Rushdie criou um mundo novo a partir do nada e o levou às últimas consequências. Do nascimento à queda do fantástico reino, tudo foi tratado aos mínimos detalhes. E Pampa Kampana definitivamente entra para o panteão das grandes personagens femininas de todos os tempos;
3- O reino de Pampa foi o primeiro e único de seu tempo em que as pessoas aceitaram a ideia de que uma mulher poderia se sentar sozinha no trono. Ficam as indagações: quantas mulheres não foram indevidamente interditadas nos espaços de poder? E se a civilização fosse criada à imagem da mulher? Sabemos que, desde sempre centrado no homem, o mundo não caminhou nada bem.
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