O nascimento de uma criança é uma experiência emocional para todos que dela participam. É um verdadeiro milagre que se reproduz a cada nascimento e transforma a vida dos pais.
É um dos instantes singulares no qual se tem consciência da grandiosidade Divina. E a mãe, que passou 40 semanas apreensiva, enfrentando o desconforto do final da gravidez, esquece todas as dores, vivenciando apenas essa experiência única.
Para o judaísmo, as crianças são as depositárias de nossa tradição milenar, a garantia da continuidade do povo judeu. Sem nossos filhos não há judaísmo e é dever dos pais cuidar deles e protegê-los física e espiritualmente. Um dos ritos mais fundamentais da inclusão de uma criança na fé judaica através do pacto da aliança, é a circuncisão, brit milá (o ato de cortar a pele solta protetora do pênis de um menino), logo aos oito dias de vida.
Segundo a tradição judaica, é obrigação dos pais circuncidar um filho e oferecer uma benção tríplice para a criança: uma vida enriquecida pela Torá, pelo dossel do casamento (chupá) e pelas boas ações.
Em hebraico, brit significa “aliança” e milá significa circuncisão. Assim, Brit Milá é a circuncisão da aliança, o sinal eterno da conexão indelével do povo judeu com Deus.
A narrativa bíblica nos ensina que Deus ordenou que Abraham se circuncidasse: Quando Abraham tinha 99 anos, Deus apareceu a ele e o instruiu a circuncidar a si mesmo e a todos os membros masculinos de sua casa, incluindo seu filho de 13 anos, Ismael. Após a circuncisão, Deus enviou anjos para informar Abraham que sua esposa Sara daria à luz Isaac, o tão esperado herdeiro da tradição de Abraham. Embora o versículo bíblico em que Deus ordena que o brit seja feito no oitavo dia, ele em si não revela por que somos instruídos a circuncidar especificamente no oitavo dia. Muitas explicações possíveis são oferecidas:
Ter a circuncisão no oitavo dia garante que o bebê experimentará pelo menos um Shabat antes da circuncisão. O Midrash (interpretação do versículo) explica que isso é análogo a um rei que decretou que quem deseja visitá-lo deve primeiro prestar homenagem à rainha. Os sábios e os místicos costumam dizer que o Shabat é “a rainha do Shabat” e, antes de entrar na aliança com Deus, o bebê precisa primeiro cumprimentar a rainha do Shabat, experimentando a santidade de pelo menos um Shabat. Essa é também a razão pela qual todas as oferendas trazidas ao templo precisavam ter pelo menos oito dias.
O ritual do brit é o mandamento mais respeitado e observado em toda a história e tradição judaicas, seguido fielmente por geração após geração, até mesmo durante períodos de perseguição religiosa. Todos aqueles que tentaram eliminar o judaísmo consideraram, sem sucesso, abolir a circuncisão.
Quando os selêucidas governavam a Terra de Israel, o rei Antíoco IV determinou que a prática da circuncisão fosse punida com pena de morte. Mesmo diante do risco de vida, os judeus não se submeteram a essa proibição.
Após a destruição do Segundo Templo, o imperador romano Adriano também proibiu a circuncisão. Mais uma vez os judeus arriscaram suas vidas pelo direito de continuar a respeitar suas leis. No século V, na Espanha, o rei Sisibut ordenou aos judeus a aceitar o batismo ao invés da circuncisão, pois assim teriam seus direitos assegurados. A resposta dos judeus foi taxativa: “A lei da circuncisão é a raiz da nossa religião… Mesmo sob pena de morte não abandonaremos nenhuma de nossas leis, essa em especial”.
Para realizar a circuncisão, ao longo dos séculos, surgiu a instituição do mohel (a pessoa que realiza a circuncisão no rito judaico) O mohel, treinado nos procedimentos cirúrgicos do brit milá, tornou-se um representante profissional dos pais e da comunidade. Até hoje, a maioria dos judeus insiste em manter um mohel para oficiar no brit. Os mohalim (plural de mohel) modernos são especialmente certificados em circuncisão ritual e são cuidadosamente treinados.
Durante a consulta pré-brit, o mohel inspeciona a criança. Se ele suspeitar que a contagem de bilirrubina é alta ou encontrar algum outro motivo de preocupação, a circuncisão é adiada até que ele (e seu pediatra) tenham certeza de que não há risco à saúde.
Com o uso de anestésico tópico, o procedimento não envolve qualquer dor. Quando os bebês choram durante a cerimônia, geralmente é porque estão sem roupa e com frio. Os bebês geralmente param de chorar logo que estejam vestidos e acolhidos.
Existem outros protagonistas na performance deste ritual sagrado.
O sandak (padrinho – deriva de um termo grego que significa “aquele que está com a criança” ou “patrono”) senta e segura a criança enquanto o ritual é realizado. Geralmente, é um avô que segura a criança.
Quando os judeus alemães introduziram o conceito de kvatter e kvatterin (padrinho e madrinha), além do sandak, eles assumiram que esse casal seria coparceiro dos pais na educação judaica da criança. Hoje, os pais geralmente pedem a amigos íntimos que sejam padrinhos de seu bebê recém-nascido. É considerado uma grande honra.
Uma lenda judaica sustenta que o profeta Elias está presente em cada brit milá. Elias, mais comumente considerado o precursor da era messiânica, também é frequentemente considerado o “anjo da aliança”, um protetor de crianças pequenas – na verdade, o “anjo da guarda”. Os judeus, portanto, reservam uma cadeira especial para Elias no brit, com o bebê colocado na cadeira antes da circuncisão.
Habitualmente, duas velas são acesas na sala onde a cerimônia deve ocorrer, como símbolos da vida e da presença de Deus. Antigamente, as velas acesas provavelmente também tinham o objetivo de afastar possíveis demônios que poderiam tentar prejudicar o bebê.
Durante a circuncisão, o pai recita a seguinte bênção:
Baruch Atá Adonai, Eloheinu Melech Haolam Asher Kidshanu B’tmitzvotav Vtzivanu L’hachniso Le brito Shel Abraham Avinu. “Bendito és tu, Adonai, nosso Deus, Governante do Universo, que nos santificou através das tuas mitzvot e ordenou que trouxéssemos nossos filhos para a aliança de Abraham, nosso pai”.
Após a circuncisão, é feita uma oração pelo bebê, quando seu nome judaico é usado e, portanto, anunciado pela primeira vez. É costume que os pais mantenham o nome do bebê em segredo até esse momento.
Todos os presentes recitam a oração expressando a esperança de que o bebê cresça em uma vida de estudo, casamento e boas ações.
O mohel então recita a bênção pelo vinho. O padrinho toma um gole do vinho e algumas gotas também são colocadas nos lábios do bebê. Isso conclui a cerimônia tradicional, embora seja bastante comum adicionar músicas, leituras e poesia. Então é servida uma refeição festiva.
Originalmente, o judaísmo não tinha uma celebração especial para receber crianças do sexo feminino na aliança. Tradicionalmente, os pais recebiam uma aliá (a honra de recitar a bênção antes e depois de ler uma seção da porção semanal da Torá) na sinagoga no primeiro Shabat após o nascimento de uma menina. Nesse momento, a criança também recebia um nome hebraico. Após os cultos, mãe e pai eram homenageados com um banquete congregacional.
O Talmud nos diz que as mulheres nascem “circuncidadas”, isto é, já possuem a santidade adicional que vem com a brit milá. Portanto, não havia cerimônia correspondente (e certamente nenhum procedimento cirúrgico) para as meninas judias.
A ausência de um ritual especial para meninas era perturbadora, especialmente para judeus liberais. Algumas congregações começaram então a criar suas próprias cerimônias para meninas (simchá bat – a alegria da filha), quando se anuncia nome hebraico da bebê.
A popularidade da ideia rapidamente a tornou uma prática generalizada entre muitas famílias.
O Rabino de Lubavitch explica: “Uma circuncisão que ocorre em uma idade posterior depende da compreensão, disposição e compromisso pessoal do indivíduo com Deus. Como tal, a conexão com Deus que é alcançada por meio desta mitzvá (um mandamento ordenado por Deus para ser cumprido como um dever religioso) é fundamentalmente limitada e sujeita a mudanças.
No entanto, um brit milá que ocorre em uma tenra idade não é limitado por nenhuma concepção humana. É, portanto, um vínculo absoluto com Deus, um vínculo essencial e eterno que não está sujeito à mudança, de acordo com as palavras do versículo “E Minha aliança estará em sua carne, como uma aliança eterna”.
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