Perdemos há menos de um mês um personagem importante da história judaica no Brasil: Boris Fausto
Boris Fausto, um dos maiores historiadores e cientistas sociais do Brasil, nasceu em São Paulo, em dezembro de 1930, ano em que ocorreu uma revolução sobre a qual escreveu um livro.
Era oriundo de uma família judaica não religiosa, e esta origem teria tudo a ver com uma valorização do estudo muito importante em sua criação. Não havia ancestrais intelectuais, mas havia o enaltecimento do saber. Uma frase muito comum em seu lar, era: “Se você tiver que mudar de país, você leva consigo uma coisa que ninguém pode te tirar, que é o conhecimento.”
Boris cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e em 1953, passou a exercer advocacia privada por algum tempo.
Muito incentivado por sua mulher, Cynira, resolve fazer o curso de História nos anos 1960, porque gostava muito do tema e achava que o Direito era apenas uma via de sustento, uma via profissional, mas sua aspiração era mesmo a História.
Um de seus livros autobiográficos, é também um ensaio sobre a vida dos estrangeiros instalados em São Paulo.
Seu “Negócios e Ócios”, é a narração, com lances romanescos, sobre as sucessivas gerações das famílias que se aliaram, como consequência da união de seus pais.
Boris construiu um relato emocionante ao rastrear o itinerário aventuroso dos antepassados maternos sefaraditas, desde a saída da Espanha no século 15, expulsos pelos reis católicos, passando pelas vivências turbulentas de seus descendentes de classe média, acossados numa Turquia varada por conflitos interétnicos, até a “decisão” de imigrarem para São Paulo em 1910.
Procedimento análogo é aplicado à travessia do ramo paterno, judeus pobres e pouco educados da Europa Central, pequenos comerciantes enfurnados num povoado da Galícia, nos confins do império austro-húngaro.
Fausto dá destaque à figura do pai como protagonista de fato e de afeto, quase um mito. Enquanto a família materna imigrou em bloco, incluindo todas as gerações no processo de traslado, o pai peitou, praticamente sozinho, idêntico desafio. A afetuosa descrição da figura paterna dá contornos a um retrato contraditório, complexo.
O pai, caracterizado “self-made man”, se renomeou Simon Fausto (nascido Brettschneider Fuss). Essa vontade de latinizar o nome de família evidencia o projeto de se aproximar dos habitantes locais.
A morte da mãe aos 37 anos de idade é o momento de tensão máxima na vida da família, a perda sofrida que significou a linha de ruptura entre o antes e o depois. O pai se acerta com os cunhados para cuidarem da organização da casa e da educação das crianças. Os órfãos (Boris tinha sete anos), vão aos poucos construindo uma herança afetiva, cultural, esportiva e religiosa: expostos ao culto na sinagoga da rua da Abolição.
Faziam, a seu jeito, o aprendizado de conciliar a condição de judeu às atribulações de torcedor corinthiano, engendrando uma identidade cultural capaz de fundir a herança imigratória ao pensamento local.
O relato de Fausto reside na sequência desordenada de incidentes que manifestam suas adversidades ao lidar com as variadas dimensões de sua identidade enquanto judeu.
De suas experiências como aluno do Mackenzie, Fausto relata por que e de que maneira ele e os irmãos tentaram, por um período, ocultar suas origens judaicas. Sua narrativa traduz o que significava ser judeu de classe média abonada em São Paulo nos anos 30 e 40.
O historiador escrevia também colunas para vários periódicos. Em uma de suas colunas na Folha de São Paulo, Boris faz uma análise realista da sociedade israelense:
“Dois problemas inter-relacionados, mas distintos, são centrais em Israel. De um lado, a obtenção da paz com os palestinos e os países árabes; de outro, a reformulação das linhas culturais e políticas da sociedade e do Estado.”
“A paisagem sociocultural israelense apresenta aspectos extremamente contraditórios. Para ficar no exemplo mais agudo, há uma difícil convivência de tendências representando elevadas expressões da cultura e dos pressupostos de um Estado laico com um tradicionalismo ultraortodoxo, que se nutre do passado, mas tem fortes raízes no presente.”
“O fato de que a religião tenha tido um papel básico na manutenção de uma identidade judaica ao longo dos séculos e, posteriormente, na definição da cidadania, contribuiu para que o Estado de Israel tivesse a configuração de nossos dias. As instituições de um Estado moderno convivem com a forte influência do rabinato ultraortodoxo, resultando na inexistência de uma nítida separação entre Estado e confissão religiosa -conquista assegurada nas sociedades ocidentais há longo tempo. A emergência de uma nova corrente tem a ver com a normalização da condição judaica, a entrada para a vida ativa de israelenses da terceira e da quarta geração, a modernização do país, apesar das resistências.”
Boris Fausto afirma: “de qualquer forma, há algo promissor na paisagem de Israel, além das profecias e da intransigência.”
O historiador foi professor do Departamento de Ciência Política na USP e também foi professor visitante da Brown University. Fausto foi coordenador de Ciências Humanas da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pesquisador sênior da Rockefeller Foundation. Autor de mais de 30 livros, ganhou 3 Prêmios Jabutis, em 1995, 1998 e 2000. Em 1999, também ganhou o Prêmio Anual da América na Seção de Crime, Lei e Desvio da Associação Americana de Sociologia.
Entretanto, Boris Fausto define sua paixão pela irracionalidade do futebol: “Faz um bem imenso. Quando você se vê, você é outro. E é muito bom. Para mim é uma coisa que vem da infância. Agora que estou inevitavelmente no fim da vida, a minha paixão pelo futebol voltou a ser igual àquela do menino de 12 anos que brigava na escola pelo Corinthians. Sempre fui uma pessoa racional, calculada, que cumpre seus compromissos, bom aluno, bom advogado (e espero que bom escritor), mas a falta de lógica do futebol me dá um grande prazer.
Boris Fausto faleceu em 18 de Abril de 2023, aos 92 anos.
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