“C omo é linda a minha Veneza”, exclamou a moça ao fazer uma foto do canal 3, encostada na mureta da passarela que eu transpunha logo cedo. Sua cidade – pensei – não é tão linda quanto a minha, ainda que geograficamente seja a mesma. Cada um enxerga diferente.
Uma cidade tem as memórias de cada um, o ânimo que palpita nos mesmos raios de sol, as calçadas que fazem o particular caminho.
A mesma cidade não é só o que os olhos veem ,ainda que o azul do céu seja o mesmo, o verde do jamboleiro também, ainda que nem todos percebam o som dos passarinhos, nem tropecem nas cucas espalhadas pelo chão ou cruzem com quem não querer encontrar.
A minha cidade, como a de todo mundo, tem ruas, prédios e algazarra. Mas a de cada um se completa pelas lembranças e o estado de espírito diante do que corre na mente como vento a nos afortunar de ânimo e esperança.
Ou nos acabrunhar com os problemas que atazanam o coração. Sim, cada um tem sua própria cidade, ainda que – insisto – formalmente seja a mesma.
A cidade, que um dia um poeta disse ser a primeira namorada, traz história, desde quando era apenas um quintal, uma rua, meia dúzia de árvores e poucos vizinhos para compartilhar segredos e travessuras.
Saí da passarela pensando como seria a cidade daquela moça, e como é a minha, depois de tanto ter vivido e outro tanto descoberto mundo afora, que me fez comparar com meu canto, me permitindo criticar às vezes, mas sem admitir que outros dela falem mal.
Meus olhos, sempre ávidos de novas paisagens, gravaram na retina da alma a neve, as igrejas, os monumentos de outros cantos em que me expandi. E agora, quando penso na minha aldeia, percebo que não a conheço tanto. Há muitos becos que nunca descobri, escadarias que não subi, bares em que não naufraguei com minhas dores.
São lugares que me proporcionariam certamente iguais emoções daquelas que um dia, como que traindo minha primeira namorada, ousei admirar querendo que fossem minhas.
Leon Tolstói, escritor russo, disse que, se quer se tornar universal, cante sua aldeia.
É o que fazemos, agora com fartura, tantas são as fotos tiradas com celular e disparadas em posts que tornam todos poetas universais. Como aquela moça, a me fazer refletir que minha cidade, diferente da dela, não é a mesma Veneza, mas admito ser minha primeira e derradeira namorada. n
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