Berta Loran, irreverente e corajosa, tem histórias dignas de um filme, daqueles capazes de levar o telespectador às lágrimas com o final feliz.
Nascida Basza Ajs, em Varsóvia, capital da Polônia, é filha de um alfaiate e de uma costureira judeus, que tiveram seis filhos.
Berta conta: “Nasci na Rua Mila, 53, onde se formaria o Gueto de Varsóvia. Dividi um quarto com 14 parentes, entre pai, mãe, irmãos, avós, tios e dois funcionários que trabalhavam na alfaiataria de meu pai. Ele dormia num sofá com as molas todas de fora. Alimento barato era batata e repolho. Minha mãe fazia uma sopa com muito alho e cebola e à noite era uma festa de gazes. Eu ria.”
A vida em Varsóvia era terrível. Seu colégio judaico ficava em frente a um colégio de polacos. Quando as crianças judias saíam, os polacos atiravam pedras nos alunos. Muitas vezes, Berta foi para casa com a cabeça sangrando.
Em 1933, seu pai ouviu no rádio que Hitler falava em matar todos os judeus, então, ele resolveu vir para o Brasil.
Berta era fluente em polonês corretamente, mas assim que chegou ao Brasil, seu pai disse: “Polaco, nunca mais. Só iídiche e português”.
Chegaram ao Brasil em 1939, fugindo da perseguição dos nazistas, antes da Segunda Guerra Mundial. Os parentes que ficaram morreram sem que ela tivesse notícia alguma deles, inclusive um dos irmãos.
No Rio de Janeiro, já com o nome que adotou para não ser ridicularizada pelas outras crianças, Berta descobriu que seria atriz quando foi pela primeira vez ao cinema. Aos 14 anos, estreou ao lado do pai numa companhia de teatro judaica. “Minha profissão esteve à frente de tudo, inclusive dos maridos que tive”, diz, sem mágoas, a dona de tipos cômicos como a Manoela d’Além-Mar, da Escolinha do Professor Raimundo.
Foi seu pai que a introduziu ao mundo do palco. Era chamado José Ajs, e era ator e alfaiate. A filha descreve que José era alfaiate para ganhar a vida e ator por amor à arte. Afirma ainda que percebeu que ele era um canastrão nas duas profissões. Com sua irmã Bela, a atriz formou a dupla A Bela e a Berta, que se apresentava à comunidade judaica carioca.
A atriz atuava falando iídiche em recitais, clubes e escolas. Atuou em peças como S’grorjs Gevins (o Ganhador da Loteria) de Sholem Aleichem e Moyses Ganef (O Ladrão Moisés). Depois fez algumas comédias musicadas com artistas norte-americanos de origem israelita, como Joseph Buloff e Maurice Schwartz, que vinham ao Brasil para atuar em espetáculos geralmente encenadas no Teatro República.
Seu primeiro papel para grandes públicos foi interpretado em uma teatro de revista em 1952, aos 26 anos, no palco do Teatro Carlos Gomes, a convite do maestro Armando Ângelo, com quem havia trabalhado anteriormente.
Em 1946, o empresário Isaak Liubeltchik contratou-a para trabalhar na Argentina. Em Buenos Aires atuou em peças teatrais, algumas das quais em iídiche, e casou-se com o também ator Saul Handfuss, cerca de 30 anos mais velho. A atriz admitiria mais tarde que o matrimônio fora a maneira encontrada para sair de casa e garantir autonomia. Com o declínio das produções teatrais portenhas em iídiche, decidiu regressar ao Brasil.
Estreou no cinema em 1955, no período das chanchadas brasileiras, no filme de Watson Macedo: Sinfonia Carioca. Nos dois filmes seguintes foi dirigida pelo lendário Carlos Manga. Em 1957 apresentou-se em Portugal com a peça Fogo no Pandeiro. Acabou morando no país durante seis anos.
Ao retornar ao Brasil, em 1963, fez parte do elenco da peça O Peru e no musical Como Vencer na Vida Sem Fazer Força, ao lado de Moacyr Franco e Marília Pêra, dirigido por Augusto César Vannucci.
No teatro, foram incontáveis espetáculos, como Boeing Boeing (1964), Cinderela do Petróleo (1966), Alegro Desbum (1973).
Na televisão, fez sua estreia no programa Espetáculos Tonelux, na TV Tupi. Em 1966, quando trabalhava na TV Tupi, foi convidada por Boni para trabalhar na Rede Globo, em um programa intitulado Bairro Feliz.
No mesmo ano, atuou em outro humorístico da emissora, Riso Sinal Aberto, exibido até fevereiro de 1967. Na Globo, contracenou com grandes comediantes, de Chico Anísio a Jô Soares, como em Balança Mas Não Cai e Faça Humor, Não Faça Guerra.
Mesmo com o sucesso na televisão, Berta não renunciou ao teatro e continuou fazendo peças de sucesso, como Alegre Desbum e Como Matar Uma Sogra, até 2018.
Depois de 25 anos sem fazer uma novela completa, Berta Loran esteve na novela Cama de Gato, fazendo um papel de uma interna de asilo para idosos, chamada Loló. Ela fez par romântico com Luiz Gustavo.
Em 2013, a atriz atuou no filme Até que a Sorte nos Separe 2, interpretando a personagem Manuela (o “grande amor” do tio Olavinho).
Em 2016, a atriz foi homenageada pelo produtor cultural João Luiz Azevedo com um livro biográfico – Berta Loran: 90 anos de humor, um documentário e uma exposição com fotos do acervo pessoal, objetos e recordações dos diversos trabalhos realizados por Berta no cinema, teatro e televisão.
Em 2021, foi indicada ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, como atriz coadjuvante no filme “As Jovens Polacas”. O filme aborda a história de jovens mulheres judias e pobres, do Leste Europeu, que vieram ao Brasil em busca de vida melhor, mas foram exploradas.
Berta ainda estava trabalhando em 2022, com 95 anos. A atriz acredita ter feito mais de 2000 personagens em sua vida.
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