Livros e mais livros

A redoma de vidro

08/03/2025 Rafael Medeiros

Já dissemos antes: a literatura é muita coisa. No seu vasto mundo cabe muito mais do que supomos. O leitor certamente já escolheu um título porque se interessou pela proposta preambular do(a) autor(a); entretanto, atravessada a leitura, acabou por contemplar uma profunda e comovente perspectiva que sequer imaginava ali encontrar. Bem por isso alguns livros recebem – e merecem – diversas releituras ao longo do tempo. “Livros que desassossegam”, diria o português José Saramago. A redoma de vidro, livro mais famoso da norte-americana Sylvia Plath, é um espécime desse poderoso gênero, seja pelo enredo, seja pelo sinistro evento que se desenrolou semanas após sua publicação.

O semibiográfico romance – único da jovem poetiza Sylvia, porque infelizmente não houve tempo para mais nada – conta a história de Esther, uma moça interiorana que alcançou um disputado estágio na área da moda em Nova York. A juventude bem-sucedida vivida numa grande metrópole deveria ser sinônimo de entusiasmo e diversão, mas não para Esther – “eu sabia que havia alguma coisa errada comigo naquele verão”, declara a certa altura. A sensação de desencaixe causada pela incompreendida doença mental se aprofunda cada vez mais até atingir níveis alarmantes.

Sim, a literatura é mesmo muita coisa. E penetrar nesse vasto mundo, de espírito aberto e mente atenta, é uma das condições humanas mais bonitas e recompensadoras que podemos experimentar na vida.

Motivos para ler:

1 – Sylvia Plath (1932-1963) se notabilizou pela produção de uma poesia expressiva, forte no desespero e na obsessão pelos sentimentos mais profundos e obscuros. A redoma de vidro foi seu único romance. Semanas após sua publicação, Plath – então com 30 anos – tirou sua própria vida. A obra segue sendo lida e debatida no mundo todo;

2- O livro é narrado em primeira pessoa, de modo que o leitor habitará a mente da jovem Esther e acompanhará o avanço paulatino de sua desorientação. Por meio dos olhos de Esther espiamos o abismo e sentimos a vertigem. É o que a literatura de ponta faz;

3- O não pertencimento experimentado por Esther parece se ancorar em dois grandes eixos: a doença mental e o papel social oprimido da mulher. É possível perceber que suas primeiras crises se insinuam em razão do iminente casamento – pouco desejado – com um estudante de medicina. A partir daí a redoma de vidro – figura de linguagem que representa a depressão – encapsula a personagem. A criadora (Sylvia) não conseguiu da redoma escapar. A criatura (Esther), não se sabe. Que conclua o leitor.