Esportes

A Muralha Amarela

03/05/2024
 Odd Andersen/AFP

Dortmund é uma cidade só um pouco maior do que Santos. Não chega a ter 600 mil habitantes. Tem um time, o Borussia, que é a paixão dos moradores. Tem também um belíssimo estádio para mais de 80 mil pessoas.

Esse estádio foi palco, na quarta-feira, do primeiro jogo de uma das semifinais do torneio de futebol mais qualificado do mundo: a Champions League, competição que reúne os principais clubes de futebol da Europa.

Borussia Dortmund e o estrelado Paris Saint Germain se enfrentaram. E a grande atração não foi aquele que para muitos é o melhor jogador do mundo: Mbappé. O verdadeiro show ficou por conta da torcida do Dortmund, conhecida como a Muralha Amarela, considerada a mais bonita da Europa, o que talvez equivalha a ser a mais bonita do planeta.

Bandeiras amarelas agitadas o tempo todo, o hino do clube entoado, aplausos para o Borussia, vaias civilizadas para o adversário, incentivo incessante para os atletas de camiseta amarela e um momento emocionante demais quando o coro de quase 80 mil torcedores tomou emprestado da torcida do Liverpool o You’ll Never Walk Alone, em inglês, em plena Alemanha: “Você nunca vai caminhar sozinho…”.

“Você nunca vai caminhar sozinho.”. Acordei no dia seguinte com essa frase ressoando na minha cabeça. Trilha sonora perfeita para aquela imagem maravilhosa de um estádio lotado, com torcedores dos dois times e um clima de paz absoluta dentro e fora do campo.

“Você nunca vai caminhar sozinho.”. Tenho certeza de que essa mensagem entrou pelos poros da alma dos jogadores do Borussia Dortmund e foi decisiva na vitória por 1 x 0.

Na minha alma entrou uma percepção de que a estrada evolutiva da Europa, talvez mais especificamente da Alemanha, está aberta para o futuro. A imigração muçulmana, a polarização política, as redes sociais infestadas de notícias falsas, os conflitos como os de Gaza e da Ucrânia…  nada disso vai desviar do rumo da liberdade, da igualdade e da solidariedade, esse povo que consegue respeitar as diferenças e conviver nessa paz.

A imagem diz muito pra nós brasileiros, pra nós sul-americanos. Em São Paulo e em Buenos Aires, as duas principais cidades do continente, precisamos isolar as torcidas dos times adversários e nem assim conseguimos controlar a selvageria e evitar tragédias.

A imagem da Muralha Amarela, ao lado da torcida francesa do PSG, traz também um recado de esperança: o de que essa evolução é possível. A selvageria dos barrabravas da Argentina e das torcidas organizadas de Sâo Paulo também já imperou dentro e fora dos estádios europeus. Os hooligans espalhavam terror nas cidades em que os seus clubes jogavam. Em 1985, um confronto entre torcedores da Juventus e do Liverpool, numa final de Champions, na Belgica, deixou 39 mortos e mais de 600 feridos.

A dor de tragédias desse tipo semeou a paz nos estádios europeus. A violência foi banida e imagens como a da Muralha Amarela e do coro de quase 80 mil pessoas cantando You‘ll Never Walk Alone substituíram o sangue e as lágrimas que acompanhavam o suor dos atletas no passado.

Foi possível para eles. É também possível para nós. Com certeza existe e está adormecido nas nossas almas sul-americanas um potencial de transmitir com clareza e paz aos atletas do clube do nosso coração a percepção de que eles também nunca vão caminhar sozinhos.