Crônica

A missão da cadelinha Mel

28/06/2024
A missão da cadelinha Mel | Jornal da Orla

O caso da cadelinha Mel se enquadra numa categoria nebulosa que se situa entre o mistério, o encantamento ou a simples coincidência.

Poodle Toy toda branquinha, Mel acompanhou a vida de um casal. Chegou bebezinha. A filha mais velha tinha um ano. Depois veio a irmã. A mãe das meninas passou a definir a Mel como “a filha do meio”.

Veio a separação. A Mel ficou com a parte feminina da família. Não houve guarda compartilhada. E a parte masculina perdeu a pet de vista.

A separação faz aflorar mágoas. Muitas vezes traduzidas em pequenas – ou grandes – vinganças. No caso da família da Mel, o diálogo do casal ficou muito prejudicado, resumido a providências relativas às filhas: escolas, finais de semana, plano de saúde… Quase sempre com farpas. A hostilidade flutuava no ar.

O tempo passou. E um dia Mel, com 14 anos, começou a perder a força e a movimentação das pernas. Foi diagnosticada com um câncer já na fase terminal.

O amor da mãe e das filhas pela pet fez com que elas contratassem tratamentos paliativos para amenizar o sofrimento que essa doença tão cruel costuma trazer. Tratamentos caros: acupuntura, ervas chinesas, reiki.

Alguns dias depois os batimentos caíram muito e os sinais vitais enfraqueceram: tinha chegado a hora. A tutora levou a poodle para a sessão do reiki da passagem. De repente, uma surpresa: os batimentos e os sinais vitais voltaram fortes e a Mel pulou e se agarrou fortemente no pescoço da tutora.

Podia ser uma recuperação surpreendente. E, nesse caso, poderia se tentar um outro tratamento. Muito caro. Os recursos financeiros já estavam esgotados. Mesmo assim a tutora não hesitou: topou na hora. Não tinha nem ideia de como pagar mais esse tratamento. Mas daria um jeito.

A profissional que fazia o reiki levantou uma outra hipótese: a cadelinha poderia ter retomado a energia vital por ter uma missão na Terra ainda por cumprir.

“Há mais mistérios entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia.”.

William Shakespeare cunhou frases geniais. Esta certamente está entre elas.

Do começo do século 17, quando o poeta e dramaturgo inglês morreu, até hoje, muitos desses mistérios foram desvendados pela ciência: gravidade, eletricidade, magnetismo… Outros permanecem desafiando os cientistas… e os místicos.

Quando o mistério sai de cena, quase sempre fica no lugar dele o encantamento da descoberta científica e a admiração pela sabedoria da natureza.

A primeira ampola do novo tratamento foi aplicada. Mel voltou para casa lépida e acendeu a esperança no coração da “mãe” e das “irmãs”.

A tutora voltou pensando em como pagar mais aquele tratamento. E aí superou a barreira do orgulho, ligou para o ex-marido, expôs a situação, pediu uma ajuda. Ele imediatamente se prontificou a pagar as ampolas e também se ofereceu para custear uma futura cremação. A hostilidade e as farpas como por encanto nessa conversa pelo telefone. O diálogo e a paz do casal divorciado foram retomados a partir daí.

A Mel não chegou a receber a aplicação da segunda ampola. Morreu logo depois. Será que a moça do reiki tinha razão? Será que a Mel precisava daquele último fôlego para trazer a paz e o diálogo àquele casal?

O caso da cadelinha Mel tem um cheirinho de estar os mistérios que a nossa vâ filosofia não consegue explicar. Você, leitora / leitor, pode até descartar a espiritualidade e o encantamento e interpretar só como uma simples coincidência. Mas duvido que possa negar a infinita beleza que se apresenta como a possibilidade da missão.