
Faz alguns anos, um médico disse, numa reunião da qual participavam mais de dez pessoas:
“Jornalistas nunca estão interessados na verdade. O que move o jornalismo é a polêmica, que dá audiência e atrai anunciantes.”
Ele estava irritado com uma notícia.
Eu respondi, bem-humorado, que médicos também não estão interessados na cura dos pacientes e sim em receitar medicamentos produzidos pelos laboratórios que financiam, por baixo do pano, a participação deles em congressos em paraísos turísticos.
O erro está na generalização. Pilantra e mau caráter, que pisoteiam a ética, são minorias espalhadas por todas as atividades. Entre elas, medicina e jornalismo.
Com a popularização das redes sociais, o cenário mudou. A verdade foi transformada num bonequinho de vodu que mentirosos profissionais espetam com alfinetes ou detonam com explosivos. Ficou difícil definir se os pinochios ainda estão em minoria.
Ilustra essa situação um episódio pequeno das recentes turbulências trumpescas.
No dia 21 de janeiro, Donald Trump participou de uma missa celebrada pela bispa anglicana Mariann Budde na Catedral de Washington. Durante o ritual, a bispa pediu publicamente a Trump tratamento misericordioso a imigrantes e pessoas LGBT. Falou de crianças gays, lésbicas e transgêneros que temem pela vida e de imigrantes em situação irregular mas que trabalham em colheitas, em serviços de limpeza, em turnos em hospitais. Falou de filhos que têm medo de que os pais sejam levados embora e de acolhida a refugiados. Uma fala de amor. Jesus Cristo assinaria embaixo.
Pois bem, na madrugada do dia seguinte, Trump postou que “a suposta bispa” era uma hater (odiadora) de Trump, radical de esquerda e deveria pedir desculpas ao público. A rede social dele ironicamente tem o nome de Truth (verdade) social.
Diante de mentiras descaradas como essa, precisamos mais do que nunca dos médicos e dos jornalistas. Dos médicos para atestar a insanidade da mentira compulsiva. Dos jornalistas para o restabelecimento da verdade.
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