André e Elena, leitores do Jornal da Orla, me pedem um texto sobre o impacto das redes sociais nas relações entre membros da mesma família.
Esse impacto, como tudo na vida, tem aspectos positivos e negativos. Mas a primeira impressão que vem à nossa cabeça e que mobiliza o interesse deles é a dos danos.
E eles começam, evidentemente, pela sensível redução do tempo que pais, filhos e irmãos, além de avós e netos, dedicam uns aos outros. Em média, gastamos duas horas e meia todos os dias em frente às telas. Esse tempo, evidentemente, é retirado do convívio direto com os outros membros da família.
É muito tempo. Vamos fazer um cálculo rápido. Das 24 horas do dia, tirando 8 de sono, 1 de cuidados de higiene e arrumação, 8 de atividades como trabalho e estudo, 1 de refeições e mais 1 de deslocamentos, sobram 5. As redes sociais comem metade desse tempo que sobra.
Já presenciei várias vezes uma cena estranha: uma irmã tenta falar com um irmão que está ao lado dela, ele nem percebe o chamamento, continua com os olhos grudados na tela e ela desiste dizendo:
“Ele está na bolha”.
E vice-versa. Ela também entra na “bolha”. O corpo está presente mas a atenção pode estar em outro continente.
Li uma frase bonita, dia desses, sobre essa questão:
“Os fios digitais tecem o tecido do século 21.”
É verdade. A maneira de nos comunicarmos uns com os outros mudou radicalmente.
As fronteiras dos espaços público e privado foram redefinidas. O que era intimidade virou exibição. Nas pesquisas, um entre cada cinco pais e mães relatam constrangimentos por exposição em situações inadequadas nas redes sociais que foram acessadas pelos filhos.
As vidas idealizadas nas postagens se tornaram referências irreais, gerando expectativas frustradas, ansiedade e depressão. Ansiedade e depressão que também são efeitos colaterais da busca desenfreada por curtidas e aprovações.
Outro aspecto negativo evidente é o déficit sensorial. A relação virtual não abarca o brilho do olhar, o calor do abraço, a cabeça encostada no ombro, a gargalhada conjunta e sem sentido detonada por alguma bobagem, a divisão da pipoca…
O bombardeio de informações torna o conhecimento superficial e direcionado. Os algoritmos reforçam e radicalizam tendências de opinião, constroem certezas falsas inconciliáveis, multiplicam brigas e desavenças fúteis na família.
A preocupação com essa mudança da dinâmica das relações familiares não é só da Elena e do André. Mobiliza do Vaticano, aos evangélicos adventistas, dos psicólogos aos professores.
Essas relações já foram mais protocolares e menos íntimas num passado já tinham sido impactadas pela televisão e por muitos outros fatores. Mas essas mudanças foram sempre gradativas. Nunca houve um impacto tão brusco quanto esse, o das redes sociais.
Há aspectos positivos também?
Lógico que sim. È só perguntar para pais e avós que conseguem manter vínculos virtuais de afeto com filhos e netos a milhares de quilômetros de distância neste planeta globalizado.
Quem usa lentes cor-de-rosa vê as redes sociais aprimorando as relações entre membros da família. Quem anda permanentemente com uma nuvem cinzenta sobre a cabeça chora a degradação irreversível dessas relações. Mas a verdade é que como em muitas outras mudanças trazidas pela tecnologia, nós estamos só diante de um período de adaptação.
No final vai dar tudo certo…rsrsrs