Esportes

90 aninhos

08/02/2025Da Redação
OSWALDO LUIZ PALERMO/AGENCIA ESTADO

Texto de Gisa Macia

São 54 anos de vida em que não sou conhecida pelo meu nome, mas, sim, como “filha do Pepe”. Esse fato não me aborrece em nada. Pelo contrário, enche-me de orgulho e satisfação. Nasci já com essa credencial, que só me trouxe portas abertas e bons amigos.
Meu pai, apesar de ter sido registrado com o mesmo nome de meu avô espanhol, José Macia, acabou carregando pela vida toda o apelido “Pepe”, já que todo José na Galícia é chamado assim. Não poderia imaginar que este apelido daria origem a um nome reconhecido mundialmente e que se encaixaria como uma luva em um dos mais famosos ataques da história do futebol: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
Mas ser chamada de “filha do Pepe” tem um significado muito maior do que carregar o DNA de um ídolo. Meu pai tem a simplicidade e a generosidade de poucos — qualidades raras, sobretudo porque a notoriedade costuma inflar egos.
Sentada ao seu lado, observo sua serenidade. Sempre o admirei justamente por isso. E também por sua humildade. Nunca o vi utilizar artifícios para ser reconhecido. Muitos acham que é timidez. Eu acredito em sabedoria.
Veste-se com modéstia e adentra os lugares sem estardalhaço. Ainda assim, dificilmente passa despercebido. Em pouco tempo, já está no centro de uma rodinha para fotos e autógrafos. Nunca o vi irritado com o assédio dos admiradores. Ele é sempre muito solícito e carinhoso com todos.
Hoje em dia, com o “advento do celular”, pedem para tirar uma “selfie” com ele nos mais diversos lugares: no consultório médico, no supermercado, no Uber e até no elevador. Ele não se incomoda. Pelo contrário, faz questão de saber se a foto ficou boa. Caso não tenha ficado a contento, ele mesmo incentiva que façam o registro de novo, sem pressa.
Na juventude, meu pai era muito bonito. Entre os companheiros de equipe, seu apelido era Tony Curtis — uma referência ao galã norte-americano dos anos 50. Ele apreciava a comparação e mantinha com esmero o topete, sempre bem fixado com Gomex, uma pasta famosa da época. Mais tarde, quando a calvície ficou evidente, soube que a tal pasta poderia ter sido a responsável pela precoce perda dos cabelos.
Outro dia, estávamos em um restaurante quando uma senhora se aproximou, pedindo autorização para tirar uma foto com ele. Estava emocionada, com lágrimas nos olhos. Disse que era fã e suspirou:
— Como era lindo…
Achei incrível e perguntei sua idade. A senhora respondeu:
— 93 anos.
Meu pai, que ouviu a conversa, sorriu e revelou, orgulhoso, que em breve completaria 90 anos.
— 90 aninhos!? — admirou-se a fã. — Está novinho e ainda muito bonito!
O Canhão da Vila ficou vermelho. Felizmente, Dona Lélia, minha mãe, não estava presente neste dia. Eles completaram recentemente 60 anos de casados.
E eu, a convite do querido amigo, o jornalista Eduardo Silva, escrevo hoje a primeira de uma pequena série de crônicas em homenagem aos “90 aninhos” de meu pai, que assopra as velas no próximo dia 25 de fevereiro.

Gisa Macia é jornalista e escritora. Autora da biografia ‘Pepe – o Canhão da Vila”.