Laureada com o prêmio Nobel de literatura de 1993, a estadunidense Toni Morrison foi a primeira escritora negra a receber a distinção e, assim, cravar sua potente voz literária no panteão das eternas memórias humanas. Faleceu em 2019 e deixou um legado valioso composto por romances e ensaios sobre os danos provocados pela escravidão e pelo racismo.
Normalmente se comenta que O olho mais azul é um livro muito dolorido, e por isso “difícil” de ler por provocar desconfortos no leitor. Particularmente não gosto nada desses termos. A literatura, principalmente a de primeira linha, existe para desassossegar mesmo. Por meio dela acessamos conteúdos que não fazem parte de nossa vida, e é assim que se cria empatia, humanidade e tolerância pelo diferente. No mais, o livro não é dolorido: a vida que é dolorosa e pode ser bastante desgraçada, especialmente quando atinge, num feroz carrossel, o membro mais delicado e vulnerável da sociedade: uma menina negra.
A pequena e pobre Pecola cresce sem entender, mas já sente o avesso do mundo e a via difícil pela qual entrou na vida. Tem a pele muito escura, a ponto de ser chacoteada por outras crianças negras. Era a única que, na escola, sentava sozinha numa carteira dupla. Sua mãe se realizava em ser doméstica de uma família de brancos e destinava seu amor de mãe à filha rosada dos patrões. Quanto ao pai, melhor nem adiantar nada.
Eis a resultante mais perversa do racismo: a desconstrução de si própria. Pecola sucumbe numa profunda aversão a si mesma. Já é tarde demais pra ela.
E então, todas as noites, a pequena Pecola reza para ganhar olhos azuis.
Motivos para ler:
1 – Além da premiada carreira de escritora com um Pulitzer e um Nobel na estante, Toni teve profícua atividade acadêmica lecionando em Princeton. Foi uma força intelectual que dedicou sua vida a estudar os âmagos dos preconceitos raciais e de gênero. Seus livros não têm slogans, lugares-comuns ou estandartes baratos. São brilhantes. Toni Morrison foi uma enorme mulher;
2 – A única forma de espancar preconceitos enraizados no gene social humano é falando sobre eles. Posturas neutras não bastam porque legitimam o estado de coisas. Racismo e machismo irrompem todos os dias, sob luzes ou às sombras. É preciso falar sobre isso. Toni Morrison o fez com muito virtuosismo;
3 – Leia mulheres!
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