O dito popular não perdoa: de perto ninguém é normal. Mas o que é a normalidade? Na onda das cores da saúde, este mês é o Janeiro Branco, um movimento criado em 2014 no Brasil para alertar e conscientizar sobre a importância de cuidar da saúde mental, que é essencial ao bem-estar integral do indivíduo, pois afeta diretamente a vida, os relacionamentos, as atividades e o convívio social.
O tema da campanha este ano é “Quem cuida da mente, cuida da vida”. Em Santos, uma variada programação, idealizada por um grupo de psicólogos, estará acontecendo neste domingo (22) das 9 às 16h, no Jardim Botânico Chico Mendes, no Bom Retiro, Zona Noroeste. São oficinas, mini-palestras, orientação psicológica e outras atividades, todas gratuitas.
Uma população transtornada
Os transtornos mentais são democráticos, não fazem distinção de idade, cultura e perfil socioeconômico e, muitas vezes, são negligenciados devido aos preconceitos e estigmas que impedem o tratamento precoce. No Brasil, estima-se que cerca de 3% da população sofre de transtornos mentais severos e precisam de cuidados médicos contínuos. E de 6% a 10% acabam vítimas de transtornos causados pelo uso de drogas e abuso de álcool.
Muitos fatores podem dar causa ao transtorno mental: mapa genético, química cerebral, aspectos do estilo de vida, além dos acontecimentos que acometeram o indivíduo no passado e suas relações com as outras pessoas. Algumas doenças físicas podem afetar a mente, do mesmo modo que desconfortos escondidos no fundo da mente podem desencadear outras doenças do corpo. Uma situação que leva ao sofrimento, à desesperança e incapacita a pessoa de ter uma vida plena.
Os especialistas alertam os pais a ficarem atentos, pois a partir dos 15 anos de idade, em média, começam alguns desequilíbrios emocionais, embora hoje, muitas crianças pequenas já apresentam os sinais e sintomas iniciais. Eles podem se manifestar na forma de ansiedade persistente sem motivos aparentes, dificuldade de aprendizado, desatenção, irritabilidade, choro, tristeza, desinteresse, agitação, medos intensos de escuro, altura e espaços amplos e abertos (fobias) e quadros de depressão ou psicose. Caso não haja o diagnóstico precoce, pode haver evolução para uso de álcool e drogas ou para um tipo grave de depressão.
Ajuda profissional
De acordo com o psiquiatra Joel Rennó Jr, a saúde mental exige um conhecimento aprofundado e deve ser exercida por médicos psiquiatras e psicólogos bem formados nesta área de atuação. “Quadros psiquiátricos tratados inadequadamente geram inúmeros prejuízos coletivos e individuais”, diz o psiquiatra, que é diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatra da USP.
Segundo ele, as pessoas podem ter a expectativa equivocada de que mudando os personagens da história de suas vidas ou os fatores externos associados à sua angústia, que isso será a solução para o reencontro da felicidade. “É impossível, sem uma psicoterapia realizada de forma competente e aprofundada, chegar-se às causas das angústias e tristezas associadas às questões vitais de uma pessoa”, diz.
As soluções são sempre individuais e devem ser adequadas ao funcionamento psíquico peculiar de cada ser humano. “Situações de vida semelhantes podem ter impactos completamente distintos em duas pessoas por causa do sentimento diferenciado que elas provocam em cada uma delas, além de humor, pensamentos negativos e personalidade”.
Ser normal é ser humano
Uma das coordenadoras do Janeiro Branco em Santos, a psicóloga Thaís Santos ressalta que o tema geralmente é associado a doenças, mas falar de sáude mental é também falar de qualidade de vida. “Culturalmente valorizamos muito a saúde física, mas existe preconceito em procurar ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra. Por conta do estigma, as doenças emocionais não são tratadas. A pessoa acha que vai melhorar, que bater papo com os amigos resolve. As emoções são banalizadas. É preciso ter um olhar mais criterioso e cuidadoso antes de rotular”.
Thaís comenta que hoje há muitas variáveis que interferem no dia a dia e criam pressão que refletem no nosso comportamento. “Excesso de informação, muita cobrança, muito estresse se somam ao conflito de querer administrar tudo, achar que a gente pode abarcar as necessidades de todo mundo”.
A situação de desemprego também afeta a saúde mental. Mas não só. “Mesmo quem se mantém empregado, vive trabalhando na iminência de perder ou está sobrecarregado. Outra situação é absorver os problemas de uma pessoa próxima como se fossem seus. Você pode acolher e incentivar a procurar ajuda, mas não comprar os problemas dos outros”.
A psicóloga acredita que boa parte de problemas de relacionamentos está associada à dificuldade de comunicação. “As pessoas devem ficar atentas ao próprio comportamento e procurar ajuda profissional quando o emocional estiver inviabilizando sua rotina. Infelizmente, muita gente tende a olhar quem procura este tipo de ajuda como uma pessoa fraca, que não é capaz resolver sozinha”.
Cuidado com soluções simplistas
Joel Rennó Jr é crítico em relação aos livros de autoajuda, com frases de efeito que satisfazem aos anseios coletivos, porém impraticáveis quando as pessoas têm um quadro de depressão ou ansiedade mais grave. “Na teoria, é fácil falar em mudança de foco de pensamento, hábitos de vida, prática de atividades físicas regulares e tempo para lazer, alimentação saudável, atividades de voluntariado, convívio com animais domésticos de que se gosta, práticas religiosas, psicoterapia, meditação e técnicas de relaxamento. O complexo é adaptarmos tais condutas de acordo com as especificidades e necessidades de um indivíduo em questão”.
Ele lembra que as pessoas que não conseguem colocar em prática as dicas de alguns gurus são taxadas de preguiçosas, incompetentes ou inúteis, aumentando ainda mais o preconceito e a discriminação. O uso abusivo de álcool e outras drogas como os benzodiazepínicos (populares calmantes), na busca do alívio dos sintomas depressivos e ansiosos, é uma grande “armadilha” e isso pode levar a dependências e riscos sérios”, alerta.
Atendimento psicológico gratuito no Jardim Botânico
A programação deste domingo (22) no Jardim Botânico Chico Mendes tem início às 9h, com oficinas, atendimento por psicólogos e mini palestras de 15 minutos: 10h30, relacionamento entre pais e filhos;11h30, perdas e lutas; 14h30, dicas para ter qualidade de vida; 15h30, estratégias para lidar com a ansiedade. Entrada gratuita. O endereço é Rua João Fraccaroli s/nº, Bom Retiro.
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