O gaitista e guitarrista belga, Toots Thielemans saiu de cena suavemente, deixando um legado musical maravilhoso.
Um verdadeiro gênio que estava afastado dos palcos desde o ano de 2014, depois de completar 70 anos de carreira, quando naturalmente sentiu que perdia forças e também não queria decepcionar seus fãs espalhados por todo o planeta.
Nasceu na bela cidade de Bruxelas e precocemente, aos 3 anos de idade, já tocava acordeom, no bar que seus pais tinham na cidade. Na época da Segunda Guerra mundial, descobriu o Jazz e a harmônica por puro hobby e curiosamente ganhou nesta época também uma guitarra, começando a tocar muito influenciado primeiramente pelo estilo cigano de Django Reinhardt, e depois pela guitarra elétrica de Charles Christian.
Chegou a imigrar para os Estados Unidos em 1952, onde acompanhou com raro talento algumas das maiores lendas do Jazz, o clarinetista Benny Goodman, o vibrafonista Milt Jackson, o saxofonista Charlie Parker, o pianista George Shearing, a cantora Ella Fitzgerald, entre tantos outros nomes importantes.
No ano de 1963, lançou o clássico de sua autoria “Bluesette”, que foi gravado inúmeras vezes e se tornou seu maior sucesso. Merece destaque também sua participação na trilha sonora do filme clássico “Midnight Cowboy”, do ano de 1969, aqui conhecido como “Perdidos na Noite”, assinada por John Barry e estrelada por Jon Voight e Dustin Hoffman, que recebeu três Oscars.
Sempre teve grande admiração pela música brasileira e já se apresentou por aqui diversas vezes, com shows memoráveis e inesquecíveis. Destaque para suas participações em discos ao lado da cantora Elis Regina, no ano de 1969 e nos dois discos The Brasil Project (1992) e The Brasil Project – Volume 2 (1993), ao lado dos maiores nomes da nossa MPB, em parceria com Ivan Lins, Gilberto Gil, Dori Caymmi, Edu Lobo. Milton Nascimento, Caetano Veloso, Luis Bonfá, João Bosco, Chico Buarque, Djavan e Oscar Castro Neves. Todos estes discos merecem nossa eterna admiração.
Outro detalhe curioso nas suas performances e nos seus inspirados improvisos era o seu marcante assovio, muito das vezes simultâneo com a guitarra. Estilo inconfundível, que virou também sua marca registrada. Ele recebeu em vida diversos prêmios e algumas honrarias muito importantes em alguns países por onde se apresentou em sua carreira, como a Bélgica, os Estados Unidos e a Holanda.
A mais sensível e emocional homenagem ele vai receber agora no próximo mês de setembro, entre os dias 9 e 11, quando se realizará mais uma edição do Festival de Jazz que leva seu nome, na cidade de La Hulpe, onde ele morava nos últimos anos, localizada a 25 km de Bruxelas. São esperadas mais de 4.000 pessoas, contando com a apresentação de 115 artistas, distribuídas em diversos palcos da cidade.
Até breve, genial Jean-Baptiste Frédéric Isidore Thielemans, ou simplesmente Toots, o belga mais célebre da História do Jazz.
Toots Thielemans & Elis Regina “Aquarela do Brasil”
A cantora Elis Regina dispensa maiores comentários. Foi única e incomparável. No ano de 1969, na Suécia, se encontrou com outro gênio da música: o gaitista e guitarrista belga Toots Thielemans e juntos gravaram “Aquarela do Brasil”, um disco delicioso e que emana muita alegria.
Foi lançado no formato de CD no ano de 1998, pelo selo Polygram e o considero como um dos discos mais expressivos de Elis e, apesar de ter sido gravado há muitos anos, ouvindo o disco hoje, constatamos que sonoridade do trabalho é bastante atual. Foi gravado com muita neve e frio na cidade de Estocolmo, mas o resultado final ficou quente e marcou, profundamente, a carreira de ambos.
Na cozinha musical, estiveram presentes Antonio Adolfo no piano, Roberto Menescal na guitarra e violão, Jurandir Meirelles no contrabaixo, Wilson das Neves na bateria e Hermes Contesini na percussão. Chamam à atenção os temas instrumentais “Five for Elis”, tema composto por Toots em homenagem a sua parceira, e “Honeysuckle Rose”, onde ele toca sua gaita, guitarra e assovia lindamente, outra grande marca nos improvisos. Simplesmente sensacionais os seus solos. E, mais, “Aquarela do Brasil”,
“Wave”, “Canto de Ossanha”, “Visão”, “Wilsamba”, “Você” e “O Sonho”, onde Elis dá um verdadeiro show de interpretação.
Um encontro gostoso e marcante de Elis Regina com a Bossa Nova e ali podemos sentir sua juventude, energia e vitalidade. E penso que desta forma é que devemos nos lembrar dela, com alegria e muitas, muitas saudades.
O jornalista sueco Oscar Heldlund, que esteve presente nas gravações, nas notas sobre o disco, escreveu: “Porém a música é uma constante condição de extremos. E seu mistério não pode, nem deve, ser resolvido. Entre outras coisas, o mistério de duas pessoas que nunca se viram antes fazerem música juntos numa harmonia tão completa”. Ele conseguiu explicar, de forma muito feliz e inspirada, o que foi este raro encontro musical.
Toots Thielemans – “The Brasil Project”
O gaitista e guitarrista belga, Toots Thielemans gravou dois discos primorosos com um repertório exclusivo da música do Brasil. O primeiro deles com 13 faixas, lançado no ano de 1992 pelo selo Private Music, trouxe as participações de Ivan Lins, João Bosco, Chico Buarque, Milton Nascimento, Dori Caymmi, Edu Lobo, Djavan, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Luis Bonfá.
O disco foi produzido pelo saudoso guitarrista e violonista Oscar Castro Neves, que também participou tocando no disco. Os músicos convidados que acompanharam todas estas feras, também merecem um destaque especial.
Na lista, figuraram Eliane Elias e Dave Grusin no piano, Lee Ritenour e Ricardo Silveira na guitarra, Téo Lima na bateria, Nico Assumpção, Jamil Joanes e Brian Bromberg no contrabaixo, Paulinho da Costa, Cassio Duarte e Bira Hawaí na percussão, Gilson Peranzzetta e Michael Lang nos teclados e Mark Isham no trompete.
Meus destaques ficam por conta dos temas “Começar de Novo”, “Obi”, “O Cantador”, “Joana Francesa”, “Coisa Feita”, “Preciso Aprender A Só Ser”, “Coração Vagabundo”, “Manhã de Carnaval” e o clássico “Bluesette”, numa versão bem brasileira de arrepiar.
O segundo volume deste projeto foi lançado pelo selo Private Music em 1993, também com 13 faixas, e contou basicamente com todos os mesmos convidados principais do primeiro disco, tendo o acréscimo de alguns músicos. Na época, Toots Thielemans conseguiu a proeza de reunir grande parte destas estrelas na noite brasileira do saudoso Free Jazz Festival aqui no Brasil, para um show maravilhoso com mais de duas horas de duração, basicamente com um repertório brasileiro destes dois discos. Uma verdadeira apoteose.
No mais, destaco que são discos absolutamente indispensáveis para você ter em sua coleção e reforçam a tese de que a música brasileira sempre foi objeto de desejo para os principais músicos do planeta. E com o genial Toots Thielemans não foi diferente. Obrigado Toots, por nos deixar estes dois belíssimos presentes musicais.