Digital Jazz

A luz do tom

18/06/2016
A luz do tom | Jornal da Orla
Um ano depois da estreia nos cinemas do documentário “A Música Segundo Tom Jobim”, atualmente já disponível em DVD, o renomado cineasta Nelson Pereira dos Santos entregou, em 2013, o segundo filme homenageando o nosso querido maestro, “A Luz do Tom”. 
 
O roteiro do filme foi assinado por ele e pela cantora Miúcha Buarque de Holanda, irmã de Chico Buarque.
 
Se no primeiro filme a música e as suas grandes composições foram o destaque (apenas  som e imagem, sem qualquer palavra), já no segundo filme, o destaque ficou por conta da sua intimidade, contada sob o olhar de três mulheres muito importantes na sua vida: a saudosa Helena Jobim, sua irmã, que faleceu em 2015, Thereza Hermanny, sua primeira esposa e Ana Lontra Jobim, sua segunda esposa. Elas foram as grandes protagonistas do documentário.
 
Helena relembra a infância e juventude e também os primeiros anos da formação musical do maestro, gravando nos belos cenários de Florianópolis, como a Lagoa da Conceição e as praias da Joaquina e Moçambique (locações que tiveram a inspiração de Paulo Jobim, filho de Tom, que disse que aquela região litorânea de Santa Catarina lembrava muito a paisagem do Rio de Janeiro dos anos 30, semelhante ao local onde Tom cresceu). Já Thereza fala dos seus primeiros anos de carreira e o seu auge, tendo destaque, nas locações, o Sítio do Brejal, em Itaipava, na região serrana do Rio. Já Ana conta as suas passagens mais divertidas e sua fase final de vida, com a locação do Jardim Botânico do Rio, um dos locais preferidos do nosso saudoso maestro. Ele sempre dizia “que o Jardim Botânico fazia parte do quintal da minha casa”. Como curiosidade, a parte musical contou com o tema “Três Apitos” de Noel Rosa, única música do documentário que não era de sua autoria. As demais são de autoria do maestro, e foram apresentadas no filme respeitando o período narrado pelas protagonistas.
 
O filme traz também belas imagens aéreas, com destaques para a mata, a água e o urubu (ave de rapina preferida de Tom), que recebeu curiosamente um destaque especial no documentário. 
 
A inspiração para o nome do documentário de Nelson Pereira dos Santos veio do título do livro escrito anos atrás pela irmã de Jobim, Helena (que foi uma das protagonistas do filme), “Antonio Carlos Jobim – Um Homem Iluminado”.
 
O diretor tinha com o maestro uma íntima relação de amizade desde os tempos do Cinema Novo e do início da Bossa Nova. Fez com ele um programa especial em quatro episódios para a extinta TV Manchete, que teve grande repercussão na época e mais recentemente os dois filmes. O primeiro filme foi um sucesso de público e crítica. E o segundo, seguiu  o mesmo caminho. Mais uma prova de que a intensa luz de Tom Jobim continuará a iluminar nossos caminhos. 
 
Um gênio que, através da sua música, marcou para sempre a sua passagem pelo planeta Terra, marcando definitivamente as nossas vidas.
 
Tom, Vinicius, Toquinho & Miúcha  – “Ao Vivo no Canecão”
 
Este CD foi lançado, originalmente, no formato LP no ano de 1977, pelo selo Som Livre e considero como um dos meus discos favoritos.
 
Um trabalho que agradou o público e a crítica e pode ser considerado como um dos principais discos da nossa MPB.
 
Reuniu simplesmente Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Toquinho e Miúcha e foi gravado ao vivo no mítico Canecão, famosa casa de shows que funcionou durante muitos anos na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente de 1967 a 2010. 
 
E Ronaldo Bôscoli sempre afirmava, que no palco do Canecão, foram escritos os mais importantes capítulos da história da MPB. 
 
E aquele quarteto fantástico conseguiu, de forma única, transformar aquele palco imenso numa aconchegante sala de visitas, repleta de amigos e convidados.
 
O espetáculo foi dirigido por Aloysio de Oliveira e montado em apenas duas semanas. Era para ficar em cartaz por apenas dois meses, mas devido ao grande sucesso ficou na casa por quase oito meses, com a casa lotada todas as noites, depois passando por  Mar del Plata na Argentina, São Paulo e um giro final pela Europa (França, Inglaterra e Itália).
 
A concepção do show baseou-se nas duas duplas, que se intercalavam e que também se reuniam no formato de quarteto. 
 
E na temporada, duas “canjas” especiais merecem destaque: Roberto Carlos cantando “Ligia” e o pianista de Jazz, Oscar Peterson, improvisando em “Wave”.
 
Seleciono os temas “Estamos Aí”, “Tarde em Itapuã”, “Corcovado”, “Pela Luz dos Olhos Teus”, “Vai Levando”, “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade” e “Se Todos Fossem Iguais a Você”. 
 
Sem dúvida, um dos maiores e mais importantes momentos da nossa música. Um registro indispensável.
 
Toots Thielemans & Elis Regina – “Aquarela do Brasil”
 
A cantora Elis Regina dispensa comentários. Foi única e incomparável. No ano de 1969, na Suécia, se encontrou com outro gênio da música: o gaitista e guitarrista belga Toots Thielemans e juntos gravaram “Aquarela do Brasil”, um disco delicioso e que emana muita alegria. Foi lançado no formato de CD no ano de 1998, pelo selo Polygram, e o considero como um dos discos mais expressivos de Elis e, apesar de ter sido gravado há muitos anos, ouvindo o disco hoje, constatamos que sonoridade do trabalho é bastante atual. Foi gravado com muita neve e frio na cidade de Estocolmo, mas o resultado final ficou quente e marcou profundamente, a carreira de ambos. Na cozinha musical, estiveram presentes Antonio Adolfo no piano, Roberto Menescal na guitarra e violão, Jurandir Meirelles no contrabaixo, Wilson das Neves na bateria e Hermes Contesini na percussão.
 
Chamam à atenção os temas instrumentais “Five for Elis”, tema composto por Toots em homenagem à sua parceira e “Honeysuckle Rose”, onde ele toca gaita, guitarra e assovia. 
 
Simplesmente, sensacionais os seus solos. E, mais, “Aquarela do Brasil”, “Wave”, “Canto de Ossanha”, “Visão”, “Wilsamba”, “Você” e “O Sonho”, onde Elis dá um verdadeiro show de interpretação.
 
Um encontro gostoso de Elis Regina com a Bossa Nova e ali podemos sentir sua juventude, energia e vitalidade. E penso que desta forma é que devemos nos lembrar dela, com alegria e muitas, muitas saudades. O jornalista sueco Oscar Heldlund que esteve presente nas gravações, nas notas sobre o disco, escreveu: “Porém a música é uma constante condição de extremos. E seu mistério não pode, nem deve ser resolvido. Entre outras coisas, o mistério de duas pessoas que nunca se viram antes fazerem música juntos numa harmonia tão completa”. 
 
Ele conseguiu explicar, de forma muito feliz e inspirada, o que foi este raro encontro musical.