Sou um admirador contumaz do trabalho musical executado pelo contrabaixista, jornalista, musicólogo, radialista, pesquisador, crítico e produtor Zuza Homem de Mello, uma das maiores referências do assunto música deste planeta e que, assim como eu, tem muita música nas veias.
Consegui trazê-lo a Santos, na Livraria Realejo, para o lançamento de um de seus livros e, na mesma oportunidade, tive a honra e o privilégio de dividir os microfones com ele na extinta e saudosa Litoral FM – 91,9 MHz, para relembrar o premiado “Programa do Zuza”, que ele comandou por muitos anos nos finais de tarde na Rádio Jovem Pan AM.
Anos mais tarde, me reencontrei com ele, na cidade de Ouro Preto/MG, num Festival de Jazz, onde desfrutamos a calorosa amizade do genial guitarrista de Jazz, Bucky Pizzarelli (pai dos músicos Martin e John Pizzarelli), em sua primeira vinda ao Brasil, num jantar inesquecível.
E, no mês de janeiro deste ano, consegui trazê-lo a Santos novamente, desta vez como uma das atrações do Rio-Santos Bossa Fest, fazendo a palestra de abertura do festival, com o tema “João Gilberto e Tom Jobim – Caminhos Cruzados”. Foi simplesmente sensacional e uma verdadeira aula de música e sensibilidade.
Zuza escreveu vários livros essenciais como “A Era dos Festivais: Uma Parábola” e os meus preferidos “Eis Aqui Os Bossa Nova” e “Música nas Veias: Memórias e Ensaios”, entre outros lançamentos importantes. E, com o conhecimento de poucos, teve a coragem de escrever em 2001, pela Editora Publifolha, da coleção “Folha Explica”, um livro sobre a obra musical do cantor e violonista João Gilberto, marcando as comemorações dos seus 70 anos de vida, completados na época do lançamento. Dividido em 13 capítulos e 128 páginas deliciosas, o livro, que não é e nem pretende ser uma biografia, aborda vários aspectos muito interessantes deste personagem da nossa música, que é cercado de lendas, mistérios e uma genialidade absurda.
O autor investiga, e traduz, através das suas palavras, o caráter único e diferente do músico. Zuza conta que a gravação de “Desafinado” foi um marco na carreira de João Gilberto e no movimento da Bossa Nova (esta canção lançou uma nova forma de se ouvir e interpretar a MPB e que resultou na Bossa Nova), embora considerando que ela não é a mais perfeita. Para o autor, a mais perfeita canção da Bossa Nova é “Samba de Uma Nota Só”. E, para encerrar, uma dica essencial do autor para que possamos absorver na totalidade a arte de João Gilberto: “Devemos ouvir a música de João pela primeira vez concentrando na voz. Depois, reouvir concentrando no violão. E, depois, reouvir pela terceira vez, concentrando na sonoridade da voz e do violão. Esse é o ponto crucial para se ouvir João Gilberto”.
No mais, ouça João Gilberto com a maior atenção possível. Afinal, voz e violão estão diretamente ligados a João e Gilberto. Todos são um só.
A Rádio Jornal da Orla/Digital Jazz presta uma singela homenagem aos 85 anos de vida do gênio João Gilberto, completados no último dia 10 de junho. Viva !!!
João Gilberto – “Chega de Saudade”
Em agosto de 1958, João Gilberto gravou o 78 rpm da gravadora Odeon, contendo de um lado, o tema “Chega de Saudade” e do outro, “Bim-Bom”. E depois outro, com mais duas músicas, “Desafinado” e “Oba! Lá Lá”.
Meses antes, mais precisamente em abril de 1958, ele participou de forma definitiva do disco “Canção do Amor Demais”, da cantora Elizete Cardoso.
Ele tocou com seu violão em 2 faixas, “Chega de Saudade” e Outra Vez”, apresentando sua batida característica e inigualável, quebrando definitivamente a estrutura do samba tradicional.
Porém, somente no mês de março do ano de 1959, João Gilberto lançou seu primeiro LP, também para o selo Odeon, “Chega de Saudade”, que contou com a direção musical de Antonio Carlos Jobim e a produção de Aloysio de Oliveira.
No disco foram aproveitadas as quatro gravações em 78 rpm, acrescidas de mais oito músicas, e destaco “Lobo Bobo”, “Saudade fez um Samba”, “Brigas Nunca Mais”, “Aos Pés da Cruz” e “É Luxo Só”, com a mesma levada sincopada de seu violão e com o seu estilo de cantar de forma intimista e anasalada, que marcou para sempre a sonoridade da Bossa Nova. Conta a lenda que o suéter usado por João Gilberto na foto da capa do disco era de Ronaldo Bôscoli e que nunca mais foi devolvido. Como destacou Tom Jobim: “quando João Gilberto se acompanha, o violão é ele”.
O nosso Maestro Soberano disse mais: “um baiano Bossa Nova que influenciou toda uma geração de arranjadores, músicos e cantores”. E que mudou as nossas vidas para sempre. Obrigado por tudo, João.
João Gilberto – “Amoroso”
Se você me perguntasse qual o disco de João Gilberto que mais me impressionou ou marcou, responderia, sem hesitar, que é o “Amoroso”, originalmente lançado no ano de 1977 e, no formato de CD, dez anos depois pelo selo Warner Bros.
Lembro-me que a primeira vez que escutei o disco, no formato “bolacha”, tinha uns 13 anos de idade e sempre o escutava por várias vezes sem cansar.
Primeiro o lado “A”, depois o lado “B” e vice-versa. Foi um daqueles casos de amor à primeira audição.
Sem dúvida, ele é um dos discos mais marcantes para ouvintes leigos como eu, e principalmente para vários músicos, que o consideram como referência, divisor de águas e muito mais. Um disco que se tornou uma obra universal. Merecidamente.
Foi gravado no período em que João Gilberto ainda residia nos Estados Unidos e contou com um repertório bem eclético, que se encaixou com perfeição à voz e ao seu violão, que teve uma levada mágica, inconfundível e incomparável.
Outro diferencial do disco que merece destaque, são os arranjos assinados pelo mestre Claus Ogerman (arranjador preferido de Tom Jobim), que trouxe uma ambiência musical exuberante de cordas. Sonoridade perfeita unindo uma afinada orquestra e uma cozinha jazzística com contrabaixo, teclados e bateria.
E não é preciso nem dizer que João Gilberto arrebentou cantando em português, inglês, espanhol e italiano.
Os temas “S’Wonderful”, “Estate”, “Tim-Tim por Tim-Tim”, “Wave”, “Triste” e “Caminhos Cruzados” (que virou um hino para mim) são as que merecem ser ouvidas com a máxima e especial atenção.
Pode ser Jazz, Samba, Bossa Nova, pouco importa, apenas música feita com muito amor e talento por este gênio que revolucionou a música popular brasileira.