Imagine seu filho, tão aguardado por nove meses, nascer com o crânio menor que o normal. E, pior, a criança ter comprometidas as capacidades de se locomover, falar e raciocinar. O termo “microcefalia”, em evidência nos noticiários, parece não dar toda a dimensão do drama humano que atinge não só o bebê, mas todo o seu círculo familiar. A situação se complica ainda mais com a suspeita de que o problema é causado por um vírus, o Zika, que é transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, o Aedes aegypti.
No início, não se deu muita importância ao Zika. Em abril de 2015, uma revista de circulação nacional publicou entrevista com o infectologista Vicente Vaz, de Recife, alertando sobre uma nova virose que estaria surpreendendo os pernambucanos e seria um tipo mais fraco da dengue. Como sintomas comuns: pintinhas vermelhas, dores articulares e muita coceira.
Logo depois, descobriu-se que a tal “dengue amena” era causada por um novo vírus, o Zika, transmitido pelo mesmo algoz: o Aedes aegypti. Mas, meses após, foi a associação do Zika com o aumento de casos de microcefalia em recém-nascidos que levantou a bandeira vermelha e deixou em alerta máximo as autoridades da saúde, médicos, cientistas e, principalmente, gestantes.
10 meses depois
Jaqueline é uma das nove mães de bebês com microcefalia, que iniciaram este ano o tratamento na Casa da Esperança de Santos. Jaqueline está entre as sete que apresentaram sintomas do Zika mais ou menos na época da entrevista do infectologista Vicente Vaz. Durante todo o ano de 2015 a instituição atendeu 4 crianças com microcefalia, que pode ter outras causas, como toxoplasmose e citomegalovírus.
O caso de Jaqueline é um mistério para a ciência: ela deu a luz um casal de gêmeos, hoje com três meses de vida: o menino, Lucas, nasceu normal; já Laura tem microcefalia. A moradora do bairro do Estuário garante que não saiu de Santos durante o ano de 2015. O que leva a supor que o vírus Zika já estava em circulação por aqui bem antes de ganhar as manchetes como a mais nova ameaça do mosquito da dengue.
Consequências graves
A diretora clínica da instituição, neurologista infantil Maria Lúcia Leal dos Santos, comenta que o papel da Casa da Esperança é de dar acolhimento à família e à criança, oferecendo tratamento muldisciplinar. “Não queremos questionar a epidemia ou as ações das autoridades. Nós tratamos as limitações que a criança apresenta e damos apoio psicológico à família, sem nenhum ônus”.
No caso de uma criança com microcefalia, essas limitações não são poucas. Maria Lucia explica que a criança tem prejuízo no seu desenvolvimento motor, cognitivo e até alterações ortopédicas. A casa oferece tratamento de estimulação global. “Para uma criança ter boa função motora precisa receber informações visuais, sonoras e táteis. O cérebro organiza o movimento, a linguagem, suas atividades, dependendo das informações recebidas”, esclarece a médica.
Impacto em toda a família
Jaqueline tem apenas 24 anos, mora no Estuário, em Santos, e, além dos gêmeos, é mãe de um menino de 8 e uma menina de 4 anos. Ela descobriu que teria um dos filhos com microcefalia somente aos 7 meses de gravidez. “Fiquei muito triste, sonhava ver os gêmeos crescendo, tudo igual. Mas depois que eles nasceram, a gente ganha mais força”, diz a moça. A vida, que já não ia ser fácil com quatro crianças, virou do avesso: além do apoio do marido, a mãe, que mora no Nordeste, está temporariamente por aqui para ajudar. Hoje, a preocupação da jovem é cuidar da pequena Laura e não se descuidar dos demais.
Casos suspeitos
Até semana passada, pelo menos 107 moradores da Baixada Santista aguardavam um diagnóstico – positivo ou negativo – do Instituto Adolfo Lutz para a infecção pelo vírus Zika. Destes, 84 pacientes moram em Santos e outros 23 vivem em outras cidades da região, mas foram atendidos na rede de saúde de Santos. As equipes da Secretaria Municipal da Saúde continuam realizando mutirões nos bairros, orientando a população e eliminando focos de proliferação do mosquito.
Esforço global para vencer a doença e o mosquito
A epidemia de Zika está motivando um esforço global das autoridades de saúde e da comunidade científica, algo que já tinha sido observado na epidemia de gripe suína, contida em 2010 com o desenvolvimento de vacina. Medidas de proteção pessoal, como o repelente, são importantes. Mas a doença só será controlada quando o principal vetor, o mosquito Aedes aegypti, for combatido casa por casa nos centros urbanos.
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