*por Evaldo Stanislau Affonso de Araújo
De forma realista, o Aedes aegypti veio para ficar. E com ele o Zika, a Chikungunya e, claro, a velha conhecida, dengue. Dengue, aliás, que de tão comum virou alguém “de casa”. Quase ninguém, de verdade, assustava-se com a dengue a ponto de efetivamente empenhar-se no combate aos focos do mosquito transmissor. E, dada a baixa mortalidade, o medo transformou-se na certeza que podia trazer dores, mas a hidratação e cuidados resultariam em bom desfecho. Ou seja, a dengue virou um assunto menor. Em analogia talvez seja o que acontece com os jovens homens que fazem sexo com homens e o HIV. Risco presente, mas, por incrível que pareça, aceito! Faz parte do jogo a possibilidade de contrair o HIV. Mas, e daí, se temos terapia? Segue e vida.
E assim como a infecção pelo HIV segue crescendo nessa população, a dengue segue seu curso. Ainda mais agora com a perspectiva da “vacina do Butantan” (que na verdade é do National Institutes of Health – NIH dos EUA), tão alardeada na mídia. Devo confessar que mesmo eu, como médico, concentrei todo meu empenho na correta diagnose e terapia dos casos de dengue com a boa expectativa dessa vacina, uma vez que a guerra contra o Aedes é praticamente perdida, ao menos em curto e médio prazo. Mas a Medicina é inexata, desafiadora como a vida.
Em um brilhante, certeiro e rápido trabalho epidemiológico foi feita a detecção e associação da infecção pelo Zika com a microcefalia.
Hoje o Ministério da Saúde, os centros de pesquisa acadêmicos nacionais e internacionais, amparados pela excelência da OMS e do CDC, entre outros, estão debruçados na solução dessa quebra-cabeças. E a primeira, e singelíssima, missão é o desenvolvimento de um teste sorológico para detecção da infecção pelo Zika, que ressalte-se, com preocupação, é assintomática em cerca de 80%(!!) dos casos.
Não temos sequer como mensurar de forma confiável a exposição pregressa à infecção. E também não sabemos se isso assegura imunidade duradoura ou, pior, se a exemplo da dengue, uma prévia exposição poderia estar associada a complicações? Seguindo adiante teremos a monumental tarefa de decifrar a patogenia da infecção pelo Zika e como esse interfere com o ciclo gestacional. Partindo da comparação com a dengue, cuja realização de estudos científicos padece de obstáculos de toda sorte, devo lembrar que ainda temos mais dúvidas do que respostas, implicando-se o vírus, a imunidade e, mesmo, características genéticas do hospedeiro, ou todos, no desfecho clínico.
Temos portanto a noção do que representa para a Ciência esse Zika vírus que agora nos assombra. E tira a paz. Afinal, em um país infestado pelo Aedes, com ampla circulação do Zika, que gestante, que pai, que família terá sossego? As notificações de microcefalia explodem no Brasil. As imagens das crianças já nascidas são comoventes. E estamos impotentes a ponto de dar o bizarro conselho de “não engravidar”… O tempo da Ciência, não necessariamente, é o tempo da vida. Uma pena que deixássemos chegar aonde chegou. Nossas futuras gerações têm mais essa sombra sobre si. Então trabalhemos dobrado porque se a dengue não nos sensibilizou o quanto devia, a imagem de uma inocente criança deverá ser forte o suficiente para que nosso sentimento coletivo e solidário desperte. Enquanto a Ciência não nos dá a resposta desejada, deve prevalecer a cidadania. Combater o Aedes aegypti é tarefa inadiável. E de todos! Porque, do contrário, gravidez nunca mais será sinônimo de alegria, mas, sim, de preocupação.
*Evaldo Stanislau Affonso de Araújo é Médico Infectologista Assistente-Doutor da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do HC-FMUSP; chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Ana Costa de Santos
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