TV em Transe

Aos saudosos da ditadura

27/08/2015 Christian Moreno
Aos saudosos da ditadura | Jornal da Orla
Vivemos tempos confusos. Crise econômica e política, protestos regados à intolerância em que alguns chegam ao ponto de pedir intervenção militar. Gente saudosa do regime ditatorial, que findou 30 anos atrás (não sei se também sentem saudades de uma inflação anual de 242% , mas isso é outra história).

A estes, que usam as benesses de um regime democrático para manifestarem-se livremente, um alento: de certa forma, encontramo-nos sob uma espécie de tirania. Basta ligar o rádio ou a tevê aberta e conferir a programação musical para deparar-se com a ditadura sertaneja.

Faça uma pesquisa. Das dez músicas mais tocadas hoje no país, TODAS são do gênero, basicamente da ramificação conhecida como sertanejo universitário. Se buscarmos as 20, vemos 18 – as exceções são um pop internacional e um pagode.

Não bastasse este controle midiático, há outras características que apontam para um “regime autoritário”. Críticas não são aceitas, e quem as faz corre o risco de responder a processos, além de enfrentar uma turba de fãs enfurecidos em redes sociais. Caso da família do falecido Cristiano Araújo, que move uma ação contra Zeca Camargo por danos morais. Ao comentar a comoção popular causada pela morte do cantor, o jornalista afirmou que passamos por um momento de “pobreza cultural”.

Agora querem que ele se comprometa a “nunca mais emitir opiniões preconceituosas sobre a cultura e a música sertanejas, sob pena de multa”.   


Pois bem. Não se pode questionar a “riqueza” de pérolas do cancioneiro como “tchê tchê rere tchê tchê”, “bará bará bará berê berê berê” e “eu quero tchu eu quero tchá”. Ou então “Eu sei fazer o lê lê lê. Lê lê lê lê lê lê. Se eu te pegar você vai ver. Lê lê lê lê lê lê”,  “Ai que vontade que me dá de te colocar no colo e fazer o tchá tchá tchá. Tchá tchá tchá, Tchá tchá tchá. De beijar a sua boca fazer o tchá tchá tchá”.

Os saudosistas da ditadura devem adorar. Até porque este tipo de música – “quanto mais descerebrado melhor” – passaria tranquilamente pelo crivo da censura. 

Sintoma – Aliás, falando em censura, dois gigantes da MPB que foram perseguidos pelo regime militar comemoram 50 anos de carreira em uma turnê conjunta. Um dos shows de Gilberto Gil e Caetano Veloso foi mostrado ao vivo, sábado, pelo Multishow.
Difícil destacar um trecho, mas fico com Gil ao violão na dobradinha “Drão” (sublime) e “Não tenho medo da morte”. 

Um evento como este não merecia espaço na tevê aberta? O fato de ficar restrito a um canal por assinatura não seria um sintoma de nossa indigência cultural atual?