Comportamento

Quando o ciúme vira ameaça

18/04/2015
Quando o ciúme vira ameaça | Jornal da Orla
Crimes cometidos em nome do ciúme sempre existiram, mas de uns tempos para cá, a impressão é que têm aumentado os casos de violência envolvendo este sentimento que transita em uma linha tênue entre a normalidade e a doença. O ciúme patológico conduz a “inimigos” imaginários, à desconfiança exacerbada, à necessidade de ter o controle absoluto da vida e até dos pensamentos do outro e pode descambar para agressividade explícita e até a morte, como ilustra diariamente o noticiário policial. 

O ciúme é um sentimento humano, assim como a raiva, o amor, a paixão, mas não deve ser confundido com demonstração de amor – o que faz a outra pessoa relevar os sinais de perigo ainda no início da relação – e tampouco se transformar em uma emoção  destrutiva, fonte de sofrimentos, angústias e temor.

“O ciúme é sempre tirano e limitador”, enfatiza a psicóloga e terapeuta sexual Márcia Atik. Segundo ela, o ciúme excessivo é uma doença e, em principio, consequência de uma sensação ou crença de desvalia, de não merecimento. “O ciumento, geralmente, tem duas características básicas: incapacidade de ficar sozinho e baixa autoestima. Quem não confia em seu potencial, teme ser trocado por outra pessoa o tempo todo. Para evitar esse sentimento, o ciumento se protege, restringindo a liberdade do parceiro e tentando controlar suas atitudes”. 

O psiquiatra Luiz Alberto Py concorda: “Ciúme descontrolado é uma doença, geralmente consequência de situações traumáticas acontecidas na infância do individuo que o tornaram excessivamente inseguro. É de difícil tratamento, pois raramente o ciumento admite estar doente e precisando de ajuda profissional”.
 
Natural, instintivo e mau conselheiro
Apesar de natural, instintivo e presente em todos os tipos de relacionamentos, o ciúme não deve ser um guia para nosso comportamento, pois as emoções são más conselheiras, diz o psiquiatra Luiz Alberto Py. “E, quanto mais intensas, mais precisam ser evitadas e contidas. O ciúme precisa estar sempre sob nosso controle e não devemos nunca nos deixar controlar por ele. Quando a pessoa perde o controle sobre o ciúme, torna-se um ciumento e age de forma doentia com o seu companheiro”. 

Para o especialista na mente humana, o ciúme não é manifestação de amor, e sim de possessividade. “Quando o descontrole causado pelo ciúme chega a levar uma pessoa a cometer crimes, estamos diante de uma situação em que o amor já desapareceu há muito tempo. Sobrou o egoísmo e a truculência. É a manifestação de uma personalidade desequilibrada, impossibilitada de viver em comunidade.
Estas pessoas podem ser identificadas pela tendência a serem vaidosas, arrogantes, pretensiosas, presunçosas e prepotentes”.
 
Oprimido versus opressor
Dizem que o ciúme na medida certa apimenta uma relação, assim como a falta de ciúme representa acomodação, falta de amor ou segurança excessiva. Será? Para Márcia Atik, o que apimenta uma relação é o cuidado, a generosidade, a doação para o outro, a segurança. “Isso não tem nada a ver com ciúme, sentimento que se traduz em uma única palavra, pequena, mas pesada: poder”.

Márcia lembra que quando uma relação dominada pelo ciúme excessivo, descamba para a violência, é sempre uma crônica anunciada, mas por causa da crença propagada que o ciúme é demonstração de amor, os casais até permitem, às vezes provocam e se sentem recompensados. “Isso vai acontecendo até que num determinado momento ultrapassa os limites do tolerável, aí o caminho de volta é difícil, pois ou se rompe e fica à mercê da dor do abandonado ou se sujeita e vira uma história sem fim”.

Ela lamenta que algumas mulheres, quando ameaçadas, denunciam e voltam atrás, sucumbindo ao romantismo, à pretensa prova de amor e, principalmente, ao medo da reação. A falta de reação pode estimular o agressor a continuar com seu comportamento doentio.
 
Comportamentos do ciumento doentio 
O ciúme doentio está registrado como distúrbio no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Para esse ciúme patológico designou-se o termo Síndrome de Otelo, em alusão à obra de Shakespeare “Otelo, o Mouro de Veneza”, escrita por volta de 1603, que conta a história de um homem que ama demais sua esposa.
Consumido pelo ciúme desmedido, ele acaba matando-a e descobrindo depois que ela não o havia traído como imaginara. 

 
Como controlar
Segundo Márcia Atik, só quem acredita ser uma pessoa importante não se deixa levar pelo ciúme, pois sabe que não é descartável e não será dispensado ou trocado com facilidade. “E quem tem capacidade de viver bem, sem depender de uma relação amorosa para se sentir vivo, é muito melhor. Pode até sofrer no caso de uma separação, mas tem a certeza que vai continuar vivendo sem desmoronar e com esperança de encontrar outro parceiro que a complete”, analisa.

Já Luiz Alberto Py diz que a melhor maneira de lidar com o próprio sentimento de ciúme consiste em compreendê-lo e evitar manifestá-lo de forma irracional. “Fazendo predominar o pensamento sobre o sentimento e a reflexão sobre a ação, podemos administrar nossa vida e trabalhar em prol de nossa própria felicidade. O importante de entender é que o ciúme é uma reação natural, mas é uma emoção e, portanto, nada tem de racional. Você não deve deixar que uma tolice estrague sua vida e sua possibilidade de ser feliz”, aconselha.
 
Confira alguns comportamentos que sinalizam quando o ciúme avançou para o perigoso campo da doença:
 
– Procura de forma compulsiva indícios de traição para confirmar seus anseios;

– Checa contas telefônicas, celular, telefona inúmeras vezes ao dia para o parceiro;

– Cheira roupas, verifica bolsos;

– Ameaça, se afasta do convívio social por achar que todos os indivíduos do sexo oposto querem tomar seu parceiro; 

– Contrata detetives, segue o parceiro e pode estabelecer outras formas de vigilância;

– Sentimentos intensos de raiva, medo, tristeza e culpa;

– Violência verbal ou física contra o(a) parceiro(a) ou a terceiros;

– A pessoa apresenta sintomas físicos quando se preocupa com o que o(a) parceiro(a) está fazendo, como taquicardia, sudorese, falta ou aumento de apetite, insônia etc.