A santista JANDIRA MARTINI seguiu com seu talento mundo afora, por conta das telenovelas campeãs de exportação em que atua e pelas peças teatrais que escreveu. Era 1964, ano que marcou o início da ditadura, então estudante de Letras, quando resolveu ser atriz. Simpática, com incrível carisma, aos 70 anos, esteve em Santos para ser homenageada na cerimônia de abertura do 18º Fescete – Festival de Cenas Teatrais, realizado pela Escola de Teatro Tescom. Nesta entrevista, fala sobre política, ditadura, grandes papéis na televisão e até sobre Machado de Assis. Diante disto, é fácil concluir que nossa cidade perdeu uma competente professora, mas o Brasil ganhou uma excelente atriz.
Você fez Faculdade aqui em Santos, não é mesmo?
Sim, eu cursei a Faculdade de Filosofia aqui (atual UniSantos), na rua Euclides da Cunha. Ainda existe?
Esse campus foi demolido há alguns anos. Virou edifício de alto padrão. Os cursos foram transferidos para outro campus.
(aparentemente decepcionada) Ah…
E como era fazer parte do Tefi?
Era um grupo muito sério, de gente que queria aprender de verdade. E era natural que isso acontecesse. Faziam parte a Eliana Rocha, que hoje está em “Pé na Cova”, Carlos Alberto Soffredini (renomado autor, dramaturgo e diretor, falecido em 2001), Rubens Ewald Filho, que naturalmente seguiu para o cinema, o Ney Latorraca e eu, que nem tinha certeza se queria ser atriz profissional, estava formada em Letras e fazia pós-graduação na área. Foi quando, em 1970, fiz um papel em “Medéia”, com Cleide Yáconis no papel principal. Fui ficando, ficando… Se não fosse por isto, provavelmente eu seguiria uma carreira acadêmica.
Você começou a fazer teatro em um período complicado para a democracia.
Todos passamos por isso. O Tefi era convidado para vários eventos, entre eles o “Festival Mondial du Théâtre em Nancy”, na França, e era requisito inscrever peças originais. O Soffredini inscreveu duas peças, “A Crônica” e “O Cristo Nu”, sobre um pintor do nordeste que pinta um Jesus Cristo nu. Tivemos problema com a censura, demorou para convencê-los de que não haveria um Cristo nu em cena. Estávamos, com aquela peça, falando mal da ditadura, mas, claro, de uma maneira metafórica.
Ser formada em Letras influenciou na sua vertente como autora de peças teatrais?
Com certeza. Era a literatura que me atraía. Machado de Assis é meu autor preferido. Levo dele a visão crítica e irônica da sociedade brasileira. Ele tinha perfeição na escrita, na maneira de escrever o português falado. Foi o primeiro a escrever realmente o português para brasileiros.
Como você identifica um bom texto para teatro?
Aprendi no curso de Letras e também na escola de arte dramática a reconhecer um bom texto a partir da análise estrutural da obra. Um texto bom, do ponto de vista crítico, pode não ser tão bom quanto aquele que diz alguma coisa que interessa, que toca o coração.
Você é muito amiga do Marcos Caruso, que recentemente interpretou o Leleco de Avenida Brasil.
Essa amizade começou em função da parceria que construímos ao longo do tempo. Começou durante uma peça, quando conversávamos na coxia e pensávamos em escrever uma peça teatral com o tema brasileiro rigoroso, algo no estilo do grande sucesso inglês “Camas Redondas, Casais Quadrados”. Como a peça em que estávamos não ia bem, escrevemos “Sua Excelência, o Candidato”, um sucesso de público e crítica, que começava a falar em “Diretas Já”.
Era 1984. O que mudou em 30 anos?
Nada mudou! Era muito ruim, a peça foi escrita no período da ditadura, em um contexto de censura e falta de liberdade. Para você ter ideia, “Sua Excelência, o Candidato” iria se chamar “Corrupção Já”.
Estamos em um ano eleitoral, o que precisa mudar?
Eu não falo sobre política, então também não falo sobre o que precisa mudar. Mas o que não dá mais para continuar é esse tipo de governo ineficaz e ineficiente que vem acontecendo desde os governos anteriores. O que deve melhorar imediatamente é a educação e a saúde, mas como eu não escolhi viver disso, não sei como se deve fazer para tornar isso realidade. Não sirvo para a política, porque sou sincera demais.
Sente saudade de algum papel na televisão?
Lembro-me de todos os papéis, considero todos importantes. Na Globo, destaco a Teodora Abdalla, de “Sassaricando” (1987), ao lado do Paulo Autran, e a Zoraide, de “O Clone” (2001). No SBT, a dona Genu, uma fofoqueira em “Éramos Seis” (1994), uma grande história adaptada do romance de Maria José Dupré, que já havia sido novela em 1977 pela TV Tupi, e tem grande potencial para ser regravada novamente.
Faltam bons papéis na TV para mulheres que amadurecem?
Sim, as pessoas mais velhas fazem papéis secundários na teledramaturgia. Não houve, até hoje, uma novela entrada em personagens com mais idade. Mas TV é imagem. Por mais bonito que você esteja mais velho, sempre será mais bonito na juventude, é compreensível.
O que mais lembra Santos para você?
De lugar, o Orquidário, um lugar cheio de plantas, bonito, silencioso e calmo. Mas, quando se fala em Santos, a primeira coisa que me vem à cabeça é o cheiro de mar.