Metrópole

“Eu vou continuar exercendo o Ministério”

10/03/2025 Glauco Braga
Divulgação

Dom Tarcísio Scaramussa, bispo diocesano de Santos, fica na Diocese da Cidade, cargo que ocupa desde 2015, até setembro deste ano, quando completa 75 anos. Seu sucessor será Dom Joaquim Giovanni Mol Guimarães. Após isso, Dom Tarcísio deve tirar um ano sabático. Ele conversou com o Jornal da Orla e falou sobre a Campanha da Fraternidade de 2025, São Francisco de Assis, o cenário das religiões no Brasil e a saúde do Papa Francisco.

O senhor pode abordar o lançamento da Campanha da Fraternidade e o tema que está sendo abordado este ano?

Então, nós fizemos a abertura da campanha da fraternidade oficialmente aqui na Diocese, com a missa na Catedral, na quarta-feira passada. É justamente a celebração da abertura da Quaresma, que é o tempo de preparação para a Páscoa. Então, justamente neste momento, há um grande apelo de conversão. E uma das práticas mais importantes do processo de conversão é justamente a prática da caridade, da fraternidade. Então, é por isso que a gente faz também a abertura da campanha e faz a campanha neste tempo, neste período da Quaresma. E a Campanha da Fraternidade deste ano tem esse tema muito importante, que é a Fraternidade e Ecologia Integral. Às vezes, as pessoas perguntam: ‘mas o que tem a ver fraternidade com ecologia?’  Eu acho que é o momento de a gente lembrar a figura extraordinária de São Francisco de Assis, Inclusive a figura dele, a imagem dele, está na capa do texto base da campanha. Há mais de 800 anos, ele deixou uma mensagem de fraternidade universal.  Ele vivia numa profunda comunhão, reconhecendo realmente que tudo está interligado com toda a natureza, as pessoas, todo o universo. Ele chamava tudo de irmão: irmão Sol, irmã Lua, o irmão Asno, a irmã Água, a irmã Árvore e o irmão, claro, as pessoas também que estão no mundo. Então, é realmente uma figura que nos lembra essa realidade importante da criação que Deus realizou. E, quando o livro do Gênesis fala da criação, Deus terminou a obra da criação, entregou a criação nas mãos do homem, para o homem cuidar dela, né? E diz assim, ‘Deus viu que tudo era muito bom’. Então, nesse cuidado da criação como obra de Deus é que nós estamos lembrando nessa campanha como uma obrigação nossa, né? De cuidar da natureza, do meio ambiente, das pessoas, enfim, cuidar da vida, né? É uma das nossas responsabilidades.

Qual a relação da natureza com a fé?

E isso muitas vezes não é considerado, por exemplo, como alguma coisa que está ligada com a fé, né? Mas justamente a fé no Deus criador e procurar corresponder à responsabilidade que Deus nos deu nessa obra da criação é realmente uma resposta de fé importante. Então, nessa campanha, nós estamos tentando mobilizar as consciências, as pessoas, principalmente as de fé, para essa conversão para a ecologia. Inclusive, o Papa Francisco fala na Laudato Si’ (encíclica) e também depois na Laudate Deum, ‘louvai ao Senhor, louvai a Deus’. Ele fala de um pecado ecológico, quer dizer, é um pecado contra a criação, contra o meio ambiente, contra as pessoas, aquilo que realmente vão contra a criação de Deus. Então é chamado pecado ecológico, é o chamado da conversão ecológica, a gente se converter no nosso jeito de ser, de pensar e de agir para construir essa fraternidade universal e cuidar melhor da natureza.

Essa campanha, com esse tema da ecologia, tem tudo a ver com o momento que se vive hoje de aquecimento global, com essas tempestades. Um lugar tem água demais, outro tem de menos. É esse o mote?

É extremamente atual e necessário, urgente. Inclusive, citando novamente o Papa Francisco, que fala que nós estamos vivendo um momento muito delicado. Talvez estejamos chegando próximo de uma situação de ruptura, quer dizer, um ponto que talvez a gente não consiga retornar mais. Então, é um alerta. Realmente o que a gente tem visto é o aquecimento global, a gente sente na pele esse aquecimento, o derretimento das geleiras, a poluição das águas, a destruição, o desmatamento, a destruição do meio ambiente, a falta de cuidado com as coisas, com o meio ambiente de modo especial. Então, isso está revendo uma consciência depredatória da nossa parte humana. É preciso realmente alertar todas as consciências, é preciso mudar isso, mudar o jeito de pensar, o estilo de vida que precisa ser tão esbanjador, tão depredatório. Então, a campanha da fraternidade realmente é muito adequada para esse momento. Vem para um momento exato e é urgente isso: tomar medidas nesse sentido. E tem tudo a ver com São Francisco mesmo, né? Esse homem tem uma mensagem atualíssima ainda para os dias de hoje.  Ele não era um intelectual que dava respostas complicadas. Hoje, nós temos muita tecnologia, muitos recursos, que naquela época não havia. Mas ele adotou um jeito de ser e de se relacionar com as pessoas e com a natureza que mostrou que é possível viver de uma forma simples, é possível ser feliz, independentemente de ter coisas, ou de ter muitas coisas, ou de consumir muitas coisas. Ele escolheu realmente um caminho de simplicidade, de pobreza, de desprendimento, e ali encontrou realmente uma maneira de seguir Jesus Cristo, o Evangelho.

São Francisco segue sendo uma referência atualmente?

Então, ele realmente é um modelo para nós, é uma pessoa inspiradora até os dias de hoje, ele é reconhecido no mundo inteiro. Graças a Deus, e é considerado realmente o Santo da Paz Universal, da fraternidade universal e da paz. E realmente foi assim a mensagem dele.

Dom Tarcísio, o senhor pode falar um pouco sobre sua sucessão na Diocese de Santos?

Estamos fazendo um caminho bem normal e tranquilo, porque eu estou para completar 75 anos, e quando o bispo completa 75, ele apresenta uma carta de renúncia para o Papa. Aqui, na nossa Diocese em Santos, temos uma tradição de bispo coadjutor. Então, por exemplo, Dom Davi Picão, foi bispo coadjutor de Dom Idílio; Dom Jacyr, que sucedeu a Dom Davi, foi justamente de Dom Davi. Eu fui de Dom Jacyr. Eu acho que isso é interessante, porque o bispo coadjutor é um bispo que vem para a Diocese e trabalha junto com o bispo diocesano, vai conhecendo melhor a realidade e como ele é coadjutor tem o direito à sucessão. E assim quando o bispo completa o seu tempo, ele assume já conhecendo bem, e não há assim uma transição complicada, às vezes demorada, nem é traumática, mas é demorada, fica aquela coisa assim, vai ou não vai. Ele sabe onde ele está e o povo também já sabe que tem uma sucessão normal. Então, não fica esperando quando virá um novo bispo. Enfim, eu acho que isso é uma coisa muito interessante. Então, eu fiz esse pedido para o Papa, já desde 2023, eu apresentei o pedido de um bispo coadjutor. E agora que fomos atendidos. Eu termino meu tempo em setembro. E depois, então, que eu completar, apresento a carta de renúncia quando o Papa aceitar. Então, Dom Joaquim Giovanni Mol Guimarães será o novo bispo. E eu, então, vou continuar exercendo o ministério, como bispo, celebrando, pregando, servindo ao povo, nos sacramentos, fazendo crisma, tudo normal do ministério. Menos a parte de governo, de administração, do comando, tanto pastoral como administrativo da diocese.

O senhor continuará em Santos?

O local onde eu vou ficar, eu ainda não decidi. Vou esperar chegar o novo bispo, mas eu tenho, no primeiro momento, eu penso que talvez seria bom tirar uma espécie de ano sabático, distanciar um pouco, deixar também um espaço mais à vontade para ele e para o povo se acostumar com o novo bispo. E depois retorno à Diocese, se Deus quiser, para continuar exercendo o ministério.

Dom Tarcísio, como é que o senhor vê hoje o cenário das religiões, o crescimento das igrejas das igrejas evangélicas diante da católica?

Nós estamos aguardando que seja publicado o resultado do último censo (2022). Porque nós tínhamos um censo do IBGE em 2010. Depois, teve a pandemia, então não aconteceu o censo naquele período, atrasou. Até agora, já foram publicados alguns dados, mas sobre a religião ainda não foram publicados. Então, nós não temos uma informação mais exata, por exemplo, no Brasil, sobre essa situação religiosa. Mas nós temos algumas informações de pessoas que já tiveram acesso a alguns mapas, embora ainda não consolidados, e que indicaram alguma modificação interessante, importante para a questão da religião. Então, o que a gente tinha antes? Um decréscimo bem grande de católicos, um crescimento bem grande de evangélicos, e depois nós tínhamos também algumas outras expressões que não tinham muita significatividade. O que esses dados preliminares parecem que estão indicando é que há uma certa mudança nessa tendência. No sentido de que, por exemplo, aquele decréscimo, aquela diminuição acelerada de católicos, parece que está se estancando, ou seja, continua, mas não naquela velocidade. Da mesma forma, o crescimento de evangélicos continua acontecendo, mas também, não, na mesma velocidade, na mesma proporção. E, por outro lado, tem aparecido um número muito significativo de pessoas que não se dizem nem católicos, nem evangélicos e de nenhuma religião. Pessoas que se dizem religiosas, mas sem uma ligação com uma instituição religiosa, que acreditam em Deus e fazem as suas opções religiosas sem se ligar a nenhuma religião, nenhuma igreja. Às vezes se usa até a expressão ‘desigrejados’. Não têm uma religião específica, têm uma fé, acreditam em Deus, mas não têm ligação com nenhuma religião, com nenhuma igreja. Então, esse número tem crescido muito, tem sido muito expressivo. Então, esse é um dado importante para a movimentação religiosa no Brasil. Pois tem havido crescimento também das igrejas de origem africana, de cultura afro, e espíritas, não tanto, mas essas de raiz africana têm crescido, tem havido crescimento também nesse sentido. Então, esse é um pouco o mapa geral. A gente percebe, por exemplo, que na nossa diocese nós não temos dados muito exatos, né? Mas a gente sente isso também. Por exemplo, a gente não sente o esvaziamento das igrejas. Pelo contrário, a gente tem percebido crescimento de participação das pessoas, né? Então, a gente, de alguma forma, a gente vê assim no concreto, na prática, que parece que realmente esses dados são reais, embora não seja a mesma coisa em todas as partes. Tem regiões do Brasil em que há situações com percentuais diferentes. Mas na média ainda está aí entre 50% e 60% o número de católicos.

O que o senhor pode falar sobre o que saúde do Papa Francisco?

Nós recebemos diariamente os boletins da Santa Sé. Porque o Papa deixou uma recomendação, quase que uma ordem, eu diria de não ocultar nada a respeito da sua saúde. Então, ele sempre precisa ser transparente e falar realmente o que está acontecendo. Então, esses boletins, eles têm realmente transmitido o que acontece. Se o Papa sofreu, por exemplo, o espasmo lá, a falta de oxigenação, dificuldade de respiração, eles apresentam no boletim. Se ele se recuperou, eles apresentam no boletim. Então, ele teve uma crise anteontem, uma crise forte, foi grave. Aí, ele teve que colocar a ventilação, não foi invasiva, que depois foi a questão da oxigenação. Recentemente, recebemos que ele passou bem a noite e que, durante o dia, também ele estava tranquilo. Às vezes, ele continua trabalhando despachando dentro daquelas limitações, é claro sem poder falar muito de tudo. Ele está plenamente lúcido e já estava querendo participar lá dos eventos. Com toda disposição, como sempre. Ele tem um ardor, uma vontade impressionante. E depois ele está com a mente boa, bem consciente de tudo, acompanha tudo. Ele já tinha deixado há tempo uma carta de renúncia. Dizendo assim, se por acaso ele estivesse numa situação realmente de impossibilidade, de incapacidade de governar, então ele já apresentou essa carta antecipada e se acontecer isso, mas ele não está nessa situação ainda, né? Graças a Deus ele tem reagido bem e todos estamos rezando pela sua completa recuperação.