
O cruzamento de duas avenidas, na capital desvairada, as luzes vermelhas obrigaram-me a parar.
Naquele momento breve, à espera do verde, formou-se um rebanho de máquinas. Cada carro é um mundo particular. Às vezes um claustro, um refúgio, uma casamata, uma cela, onde se é livre para sentir epe nsar, nesse contra-senso de uma liberdade em que a solidão seconfina.
À minha esquerda, uma mulher está só, em seu carro.
A luz da rua clareia o seu rosto pálido, deixando-lhe nítido o perfil que parece reproduzir esses retratos e gravuras de tempos passados.
Noto que ela está chorando. Em seu rosto inerte, olhos parados no espaço indefinido em torno das luzes do semáforo, brilha o rastro úmido de suas lágrimas.
Ela leva aos olhos, com ambas as mãos, um lenço pequenino.
Mas a mudança do sinal nos liberta e partimos todos nas linhas paralelas que não se devem encontrar, cada um em busca de seu destino.
Entretanto, mais adiante, paramos outra vez. Por coincidência, lado a lado. Ela repete o mesmo gesto, tocando os olhos com o lenço, depois apoia as mãos sobre o volante, permanece imóvel, olhando o semáforo, enquanto outra lágrima brilha ao escorrer, lentamente em seu perfil de uma pintura antiga.
Depois, ela e eu nos perdemos no desencontro dos caminhos, em meio ao rebanho que se dispersa e se renova.
Nem tive tempo de lhe indagar sobre a razão de seu choro.
Comoveu-me o pranto daquela mulher de lágrimas insuspeitas porque as lágrimas vertidas por quem está só são absolutamente verdadeiras.
Parti, sem conhecer os motivos que a amarguravam.
Quem sabe a morte tivesse-lhe roubado uma criatura amada, e ela cumprisse seu caminho sob a tortura de suas lembranças.
Talvez alguém, que lhe fosse caro, estivesse gravemente enfermo, padecente de dores do corpo ou ferido em sua mente.
Ou acaso fosse uma viagem de uma pessoa cuja ausência preenche de saudades a alma da gente. Quem sabe?
Porém, pode ter sido, simplesmente, um fim de caso de amor. Um caso longo, crônico, antigo, de raízes que não se arrancam, o marido,
o amante, seu homem amado e a trágica realidade de sentir-se desamada. Ou tenha sido a dor lancinante pelo fim de um momento breve mas imortal como a chama do infinito que não dura.
Se foi isso, amargurada dama antiga, cujas lágrimas eu observei em respeito, discrição e silêncio, então, não chore mais. Há dores mais aflitivas e justas pelas quais vale a pena chorar.
Não sei se um homem vale isso.
Posso assegurar que nós, os homens, nem sempre merecemos um pranto mesmo quando as lágrimas vertidas duram somente o breve tempo de apagar-se o vermelho e irromper o verde, num semáforo qualquer.
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