Adilson Luiz Gonçalves
Em 2004, participei de um concurso literário, cujo tema era “Por que poesia em tempos de indigência”.
Ao final de meu texto, escrevi: “Por que, então, poesia em tempos de indigência? Porque até as preces, de aflitos, esperançosos e agradecidos, são feitas em verso! Porque as epopeias, que falam da superação de adversidades, são descritas em verso! Porque mesmo o rigor de um dogma e a arrogância dos poderosos não resiste e cede passagem à ousadia de uma licença poética! Porque a razão nos guia no solo firme, mas é a poesia que nos faz voar e ver além da escuridão ou da linha do horizonte!”.
Poetas, bardos e menestréis tiveram esse papel ao longo da história.
Na Idade Média, afora o “bobo da corte”, os menestréis eram dos poucos que tinham o direito de ironizar reis e nobres. Com o tempo, essa licença poética e liberdade de expressão passaram a ser perseguidas e caladas.
Uma definição de menestrel é: “poeta ou músico que divulga, cantando ou declamando, poemas ou músicas próprios ou alheios; trovador, cantor”. Juca Chaves assumiu esse papel e passou a ser conhecido como o Menestrel Maldito, por seu sarcasmo e malícia sem freios.
Juca – com Zé Vasconcellos e Chico Anysio – foi precursor de apresentações solo, hoje conhecidas como “stand up”, e sabia muito bem onde enfiava seu nariz, bem grande, como ele mesmo reconheceu: “Nariz, ai, meu nariz! Como falam mal deste nasal que é tão normal. Ouço diariamente muita gente infeliz dizer que ele é maior do que a miséria do país”.
Tudo o que produzia tinha sentido direto, arrasador, ou segundas intenções, indecorosas para os padrões da época.
Seu humor, apesar de cáustico, tinha um certo refinamento, diferentemente de Ary Toledo e do saudoso Costinha, esses mais escrachados e também vítimas do “politicamente correto”.
Por conta dessa irreverência, foi frequentemente censurado, antes e depois do Governo Militar: “Brasil já vai à guerra, comprou porta-aviões!”, quando o Brasil comprou o navio-aeródromo “Minas Gerais”; “Cai! Cai! Tudo o que se constrói, da Tampa da Gameleira à Ponte Rio Niterói! Cai até o elevado do Dr. Paulo Frontin! Cai o teto do mercado e a moral de quem não tem… Só o biquíni da Jacqueline é caiu porque ela quis”. Até em Portugal, ele mexeu com um “vespeiro” ao falar de dois burrinhos, Sal e Azar, exortando-os a caminhar: “Anda Sal! Anda Azar! Anda Salazar”, ironizando o ditador português.
Mas também tinha seu viés “esportivo”: “Pratique esporte dentro do chuveiro.
Use o banheiro pra ficar mais forte. Levante halteres com seu cotonete,
mas, muito cuidado pra apanhar o sabonete!”.
Ele era apaixonado por sua arte, o que só foi superado por seu amor por Yara, musa que inspirou uma das músicas mais lindas que já ouvi: “A Cúmplice”.
Que letra maravilhosa! Alguns dirão que é “machista”, mas, em verdade, é uma reverência absoluta, uma submissão completa ao universo feminino: “No seu falar provoque o silenciar de todos! E seu silêncio obrigue a me fazer sonhar…”.
Juquinha nos deixou, do alto de seus 84 anos, deixando o Brasil cada vez mais sem graça. Ele, como outros de sua geração, foram excluídos da mídia convencional, mas estarão na memória dos que entendem que deve haver poesia e humor mesmo em tempos de indigência, de pasteurização de ideias, de patrulhamento cultural.
Adeus, Bendito Menestrel!
* Adilson Luiz Gonçalves é escritor, engenheiro, pesquisador universitário e Membro da Academia Santista de Letras
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