O livro de estreia da jovem Belén, publicado na Argentina em 2018, amealhou milhares de leitores, aliando-se à crescente discussão política contra o feminicídio e pela descriminalização do aborto naquele país. Belén transformou em livro o abuso sexual que sofreu na infância, e o fez de forma criativa: entrecortou pequenas narrativas dos fatos (dando voz à família, juízes, promotores, advogados e médicos) com peças judiciais de seu processo.
O sensível tema ganha, com este livro, um caráter universal. É que, não obstante se tratar de um relato autobiográfico, “os grandes personagens são as instituições: a justiça, a família, a psicologia, a medicina”, pontua a autora. O livro expõe bem tais provações: o negacionismo de alguns familiares; a complacência dos que preferem silenciar; os traços machistas do aparato judiciário e a revoltante resistência em imputar o crime ao abusador, um policial casado com a irmã de sua mãe que desfruta de forte ascendência no meio social.
Ágil e cortante, o livro demonstra que crimes deste cariz imputam à vítima uma dupla dor: as óbvias consequências físicas e psicológicas decorrentes do delito e os horrores impostos pelo corpo público (sociedade e justiça), ainda muito contaminado por um machismo que se projeta transversalmente sobre todas as instâncias públicas e privadas.
Motivos para ler:
1- Belén López Peiró nasceu em Buenos Aires e formou-se em jornalismo. Atua como redatora em diversos meios de comunicação na Argentina e noutros países. Por que você voltava todo verão?, publicado no Brasil neste ano, arrebatou público e crítica e merece ser lido tanto pelo talento literário quanto pela importância do assunto;
2- O livro provoca boas reflexões. Histórias assim acontecem todos os dias, em todos os lugares. Para combater essa nefasta prática é preciso que as instituições acolham adequadamente as vítimas, o que promoverá maior confiança no Estado e, por conseguinte, tranquilidade para denunciar. Além disso, a educação sexual, tão combatida por histéricos fundamentalistas que não sabem do que falam, serve exatamente para isso: incutir a percepção do que é errado para justamente proteger as crianças;
3- Leia mulheres!
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