Comemora-se, nesta semana, o Dia do Trabalho. Esta conflituosa relação humana já recebeu boa atenção da literatura; mormente da brasileira, que produziu obras belíssimas sobre o assunto. Entretanto, reputamos que o tema encontrou sua plena realização em José Saramago. Levantado do Chão é um épico da vida ordinária, de cidadãos que durante toda a vida não fizeram mais que ganhar o pão, e nem para todos os dias. Aconteceu no sul de Portugal. Acontece aqui.
O livro narra a história de diversas gerações da família Mau-Tempo, todos lavradores que perambulam pelas fazendas do Alentejo. Os eventos se passam desde o início do século XX, passando pela implantação da República até alcançar a Revolução dos Cravos, que pôs fim à ditadura de Salazar. Nesse espaço, o autor, com seu poético e luminoso traço, desencadeia as desventuras dos camponeses, que sempre foram da terra mas dela nada nunca tiraram: apenas vagueiam como almas mortas pelos latifúndios em penoso trabalho. O destaque fundamental é a articulação de interesses dos três fatores reais de poder (Estado – Igreja – Latifúndio) para manter tudo como sempre foi; afinal, “levou séculos para chegar a isto, quem duvidará de que assim vai ficar até a consumação dos séculos?”. A longevidade improvável do Padre Agamedes, único personagem que atravessa o romance de ponta a ponta, é simbólica.
Um livro sobre luta, (in)justiça e resistência. Nas palavras de José: “Levantado do Chão fala de trabalhadores. Aprendamos um pouco, isso e o resto, o próprio orgulho também, com aqueles que do chão se levantaram e a ele não tornam, porque do chão só devemos querer o alimento e aceitar a sepultura, nunca a resignação.”
Um clássico imperdível.
Motivos para ler:
1– Do lusitano José, o único Nobel da língua portuguesa, já falamos noutras colunas. Há uma particularidade sobre este livro: despedido de seu cargo jornalístico e sem perspectiva de encontrar emprego, um já cinquentão Saramago toma a decisão que mudaria sua vida. Instala-se no Alentejo rural para se dedicar exclusivamente à literatura e, em 1980, entrega este livro, que assombrou a todos pela excelência e pelo modo saramaguiano de narrar. Levantado do chão abriu-lhe as portas, irrevogavelmente, para o mundo. Eis um homem que abriu seu próprio caminho em condições bastante desfavoráveis. É nosso livro preferido;
2– O livro é aberto por uma citação poderosa de Almeida Garrett. Vale meditar a respeito: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”;
3– Uma data comemorativa é uma oportunidade de reflexão. No Dia do Trabalho, lembremos que todo labor merece justa retribuição, seja ele manual, técnico ou intelectual. Uma sociedade próspera é aquela que encontra um bom termo entre capital e trabalho. O Brasil ainda carece desse equilíbrio e não há bons horizontes, considerando que as últimas grandes reformas legislativas operaram a favor de interesses egoísticos de mercado e de ruralistas em detrimento do trabalhador. O conflito de classes, já razoavelmente bem dirimido em democracias mais maduras, ainda viceja neste país.
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