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O Quinze

01/07/2020
O Quinze | Jornal da Orla

O tema do exílio, ou seja, o abandono forçado das raízes para se viver em outras terras, é universal. Cada povo terá seus cordões de estórias para contar sobre o assunto. Nós, brasileiros, temos o nosso, e o temos muito bem: é a literatura das secas, com seus versos, prosas e romances sobre os retirantes. Um genuíno patrimônio cultural brasileiro que merece todas as honras. E o orgulho.

O Quinze, título que faz referência histórica à terrível seca que devastou o Ceará em 1915, narra o drama vivido por uma família que, sem ajuda para escapar do sertão cearense, enfrenta a travessia até Fortaleza a pé. O estilo é uma prosa forte e dura, sem grandes juízos de valor: a seca como ela é. E ela é árida, difícil, medonha e impiedosa.

Espantoso é saber que este clássico, reconhecido de pronto como obra-prima no ato de sua publicação (1930), foi escrito por Rachel aos seus 19 anos. Era o prenúncio de uma vida fabulosa. E foi. Rompeu barreiras e abriu caminhos, sendo a primeira mulher a assumir uma cadeira entre os imortais da Academia Brasileira de Letras (1977). Aliás, em 1958, Rachel foi premiada pelo conjunto da obra e o então presidente da Academia declarou, na ocasião, que aquela era uma “casa de homens” e que a escritora jamais deveria se tornar uma imortal. Mal sabia ele que, menos de 20 anos depois, Rachel sentaria justamente – fina ironia! –  na cadeira de veludo verde ao seu lado, imortalizada. Perceba o tabu quebrado por essa mulher.

Mais do que tomar parte das estórias das secas, livros como este humanizam. Passa-se a compreender com clareza as dores do êxodo para outros Estados, o abandono de uma vida e a via-crúcis de um povo castigado pela própria terra. Compreensão é o reverso do preconceito. A literatura dos sertões merece ser lida e ensinada, por ser intelectualmente espetacular e para reduzir – oxalá eliminar – o perverso preconceito contra nordestinos que ainda viceja entre nós.

Motivos para ler:

1 – O Quinze é um clássico da literatura brasileira ambientado num evento histórico pouco estudado: a seca de 1915. Procure saber mais sobre ela e os campos de concentração instalados em Fortaleza: construídos sob o pretexto de abrigar os retirantes, na verdade impediam que eles penetrassem na cidade;

2 – A literatura dos sertões funciona como um gênero literário. Aventure-se nele e se deslumbre com a qualidade extraordinária de nossos escritores. Certamente será tema recorrente desta coluna;

3 – Leia mulheres!

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