Santos e Cinema: um verdadeiro filme de amor

A relação entre a cidade de Santos e o cinema daria um longa-metragem… Poucos anos depois de os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière terem patenteado o cinematógrafo, no fim do século XIX, a cidade já recebia algumas exibições de filmes produzidos na França. Logo surgiram as primeiras salas de cinema no Centro, na orla, até chegar aos bairros, quando o Gonzaga se tornou uma espécie de Cinelândia santista, tamanha quantidade de cinemas que reunia: Alhambra, Atlântico, Carlos Gomes, Independência, Indaiá, Roxy…

Neste filme, muitos personagens foram responsáveis por manter viva a chama da paixão pela Sétima Arte em terra caiçara, mesmo quando a popularização da TV e a pirataria ameaçaram transformar a história em um thriller. 

Na ação paralela desta trama nascia uma nova vocação para o município: celeiro de produção de obras audiovisuais, que lhe rendeu o selo de “Cidade Criativa do Cinema”, concedido pela Unesco a apenas oito cidades em todo o mundo.

Amor que resiste
A trajetória do cinema em Santos tem nome e sobrenome: Maurice Armand Marius Legeard. Parisiense, adotou a cidade como seu verdadeiro lar e não descansou enquanto não criou o Clube de Cinema de Santos, na década de 40. 

Sem o francês, filmes do movimento Neorrelismo italiano ou de países como Japão, Hungria e Rússia jamais teriam chegado por aqui.

Um de seus amigos, o artista gráfico apaixonado por cinema (em especial por Glauber Rocha), Argemiro Antunes, o Miro, era também o principal colaborador do Clube e o responsável por desenhar os cartazes das famosas “sessões malditas” promovidas por Maurice.

Para a jornalista e cineasta Raquel Pellegrini, Legeard foi fundamental para as discussões cinematográficas que aconteceram na cidade. “Ele foi responsável por despertar todos os questionamentos que o cinema faz com que a gente tenha, por apresentar os grandes cineastas. Tive a chance de conhecê-lo pessoalmente, era um cara incrível! O movimento que ele fez tem frutos até hoje”.

Trinta anos depois, o incansável e apaixonado Maurice fundou a Cinemateca de Santos, que resiste até hoje, com um dos principais acervos de filmes do país. Com sede no Campo Grande, exibe obras clássicas e raras em sessões gratuitas aos sábados.

“A Cinemateca é o legado que ele deixou pra cidade e, infelizmente, seu acervo é pouco divulgado. Ela tem programação toda semana e um público fiel. É um polo de resistência. A alma do Maurice está ali!”, diz.

Embaixada do mundo

No Boqueirão, outro espaço resiste ao tempo. Última locadora de Santos, a Video Paradiso segue firme há 26 anos graças ao amor do proprietário, Marcelo Rosendo, pelo cinema. 

“As videolocadoras foram engolidas pela pirataria. Nosso segredo é a preservação do acervo. Sempre tivemos o cuidado de escolher filmes de várias nacionalidades, enquanto a maioria das locadoras comprava somente os norte-americanos. Temos filmes de onde você nem imagina. Aqui é a embaixada do mundo!”, brinca Rosendo.

O acervo da locadora é riquíssimo. Vinte mil títulos, entre DVDs e Blu-Rays, além de obras raras em fitas VHS, agradam os fiéis clientes que também contam com a expertise do proprietário. “Nosso público é o pessoal com mais 30 anos, que manteve o costume de frequentar locadoras e gosta da nossa assessoria e conhecimento para escolher o filme”.

Oito décadas em cartaz

Não dá pra falar em cinema de Santos sem esbarrar, em algum momento, no mais antigo e genuinamente santista Cine Roxy. Nos seus mais de 80 anos de história, o espaço testemunhou os altos e baixos da indústria cinematográfica, o fechamento de importantes salas na virada dos anos 90 para 2000 e a chegada da gigante norte-americana Cinemark à cidade.

“Santos sempre foi uma cidade com vocação cinematográfica. As pessoas gostam de ver filmes, têm prazer de ir ao cinema. Logicamente, com outras tecnologias e opções que foram surgindo, a indústria cinematográfica precisou se atualizar, se diferenciar. E com o mercado exibidor não foi diferente”, explica Toninho Campos, proprietário do Cine Roxy.

Os grandes rolos de película deram lugar ao sistema digital. Mais moderno e com novas salas em outras cidades, o Roxy se reinventou. Sem perder suas raízes, hoje, é um dos principais incentivadores da produção caiçara.

“Sou muito grato a Santos e, com o Roxy, procuro retribuir da melhor forma possível esse carinho do município. Sempre que nos procuram para lançamentos de produções locais, buscamos atender”, conclui Toninho.

Essência caiçara na tela

O charmoso Centro Histórico e os famosos jardins da orla já foram cenários para inúmeras campanhas publicitárias, filmes e novelas, que reforçam a vocação de Santos para a produção cinematográfica. 

O volume de gravações fez com que a Prefeitura criasse uma agência para organizar e facilitar as filmagens. Desde que iniciou as atividades, em 2007, a Santos Film Commission já colaborou com mais de 23 filmes; 74 curtas-metragens; 42 programas de televisão; 4 novelas e 202 comerciais publicitários. Só neste ano já foram rodadas 52 produções.

A cidade também serve de set para filmes feito por gente nossa. Um cinema que mantém a essência caiçara: engajado e disposto a dar voz a quem não tem. Características que em muito lembram obras de santistas ilustres, como Plínio Marcos.  

A produção feita por aqui acumula diversos prêmios com filmes dirigidos pelos jovens cineastas do Instituto Querô ou de grande destaque no Festival de Cinema de Santos, o Curta Santos. 

“O cinema caiçara busca falar de temas como violência, sexualidade, escolaridade. Os diretores têm essa necessidade de dialogar com a realidade. É um cinema independente, feito na raça”, diz o diretor geral do Curta Santos, Ricardo Vasconcellos. 

Criado para reunir as produções locais e fortalecer o mercado do audiovisual na cidade, o festival se consagrou como uma das principais premiações do cinema nacional, chegando a 15ª edição. 

“A cada ano, o festival vem crescendo e conquistando etapas. Queremos ser uma ferramenta de utilidade pública para que a gente possa, por meio dos filmes, refletir e dialogar com a sociedade”, conclui.

Arte: Cássio W. Cañete

Fotos: Francisco Lopes Rúbio/Arquivo PMS; Reprodução Arquivo Pessoal; André Azenha/Culturalmente Santista; Leandro Amaral/Arquivo Jornal da Orla; Carol Fariah/PMS e Reprodução Curta Santos